Lambança da delação de Joesley e companhia macula atuação de PGR e mina a Lava Jato
Há alguns meses escrevi uma coluna sobre como era difícil traçar uma linha condutora do comportamento de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República.
Aquele personagem tímido, quase secundário, que se encontrava fora da agenda com José Eduardo Cardozo e era alvo de desconfiança da força-tarefa de Curitiba se transmudou por ocasião da primeira lista do Janot, criou um grupo de trabalho que passou a se dedicar apenas aos processos de políticos com foro implicados na operação, afastou a fama de engavetador e teve seu ápice com a delação do núcleo da J&F, quando se transformou no arqueiro-geral da República.
A penúltima semana no cargo, no entanto, tratou de desconstruir essa última versão heroica de Janot. A lambança verificada justamente na mãe de todas as delações não macula apenas sua passagem pela chefia do Ministério Público Federal. Pior: constitui o maior ataque aos fundamentos da Lava Jato e fornece munição àqueles que tentam enfraquecê-la.
No afã de construir seu personagem heroico, Janot deixou enredar a si próprio, à instituição que comanda e ao próprio Supremo Tribunal Federal numa trama barata de filme de gângsteres do interior de Goiás.
As gravações de horas de conversas entre os desqualificados Joesley Batista e Ricardo Saud mostram a instrumentalização vulgar da delação premiada, um dos pilares para que a Lava Jato fosse um marco para mudar o histórico de impunidade de crimes de colarinho branco no Brasil.
Assim como engolfaram todo o mercado de proteína animal no Brasil à custa de subsídios generosos e propinas fartas, Joesley et caterva viram uma forma de amalgamar todos os benefícios das delações feitas antes deles fornecendo a Janot sua “joia da Coroa”: uma colaboração que atingisse em cheio o Executivo e o Judiciário, uma vez que o Legislativo já estaria f..., como eles dizem numa das muitas passagens memoráveis da conversa.
Assim foi armada, com a ajuda valiosa de Marcelo Miller, um dos mais destacados integrantes do GT do Janot, a delação que atingiu Michel Temer em cheio e que pretendia fazer também um strike no STF, o que não foi adiante porque o modus operandi que valeu com o presidente não foi capaz de enredar a “isca” escolhida, o ex-ministro José Eduardo Cardozo.
Não adianta Janot correr para denunciar Temer, Lula, Dilma, o PMDB do Senado, Miller, Joesley e a torcida do Flamengo nessa reta final, numa luta desesperada contra o tempo que ainda lhe resta no cargo. A gravidade de o acordo com os irmãos Batista e sua quadrilha ter sido fechado nos termos em que foi, e nas condições de bastidores agora reveladas, macula de forma inexorável seu mandato.
Denúncias apresentadas em cima do laço, nessas circunstâncias em que não é de todo irrazoável suspeitar que ele próprio tivesse algum nível de conhecimento das urdiduras entre Miller e a J&F – os diálogos dão a entender que sim em vários momentos – só servem para enfraquecer o Ministério Público e fornecer argumentos aos investigados de que são alvo de uma atuação política e de autossalvação do procurador-geral.
Melhor teria sido que ele dedicasse integralmente as semanas finais a esclarecer essa pantomima joesliana e deixasse a cargo de sua sucessora, Raquel Dodge, que terá mais legitimidade e menos questionamentos sobre seus ombros, a tarefa de concluir as denúncias nos muitos casos deixados em aberto ao longo de seu errático período à frente da instituição.
Lançar flechas a três por quatro, mirando alvos múltiplos, fez com que Janot acertasse não só o próprio pé, mas o coração da Lava Jato. Eis um legado que será bastante deletério para o País num momento crucial.
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