O GLOBO - 10/09
O que os seguidores de uma ‘profeta’ americana dos anos 1950 têm a ver com a nossa atual crise política
Na década de 1950, três sociólogos americanos (Leon Festinger, Henry Riecken e Stanley Schachter) entraram para um culto que previa que o mundo iria acabar no dia 21 de dezembro de 1954. O culto se baseava (como de costume) nas palavras sagradas de um “profeta”. No caso, de Dorothy Martin, uma dona de casa nascida em Chicago.
Tal qual Chico Xavier, Dorothy recebia mensagens psicografadas. Só que as mensagens de Dorothy não vinham do além, mas, sim, do espaço. Mais precisamente, do planeta Clarion.
Em uma dessas mensagens, os alienígenas de Clarion informaram para Dorothy que um disco voador viria à Terra à meia-noite do dia 20 de dezembro de 1954, e que salvaria as pessoas que estivessem prontas para serem salvas. A dizer: as pessoas que acreditassem nela. Quem ficasse para trás seria vítima de uma grande inundação.
Eu sei, isso é absurdo. No entanto, pessoas abandonaram empregos e cursos universitários. Teve até gente que deixou a família para se juntar a Dorothy. Foi assim que, no dia 20 de dezembro de 1954, um grupo seleto de indivíduos se reuniu na frente da casa de Dorothy Martin para esperar um ET que viria à Terra especialmente para guiá-los a um disco voador.
Em um brilhante livro, intitulado “When Prophecy Fails”, os três sociólogos americanos descreveram o que testemunharam naquela noite fatídica. Vai aqui um resumo dramático, adaptado livremente a partir da Wikipédia:
(A tensão era palpável. Quando o relógio bateu à meia-noite e cinco e nenhum alienígena apareceu, o grupo concordou que o relógio estava adiantado. Arrumaram outro relógio, que marcava 23h55m. À meia-noite e cinco desse segundo relógio — dez minutos depois do fim do mundo, portanto — o grupo se entreolhou estarrecido: será que os alienígenas os haviam esquecido? E a inundação que se aproximava? Todos encaram Dorothy, à espera de uma resposta. E Dorothy os encarou de volta, enigmática e silenciosa. Quatro horas depois, pressionada por tantos olhares, a profeta finalmente teve um acesso de choro. As lágrimas de Dorothy rolaram por 45 minutos. Finda a choradeira, ela constatou que os seus seguidores ainda estavam ali, à espera de um sinal. Foi então que Dorothy ergueu as mãos aos céus e apelou para a boa vontade divina... E os deuses astronautas, evidentemente, não a decepcionaram. Tomada por poderes sobrenaturais, Dorothy perdeu o controle sobre seu braço direito. A sua mão, em franca desobediência ao seu sistema nervoso central, rascunhou uma mensagem para lá de urgente. Finalmente, notícias de Clarion. Os seguidores de Dorothy se entreolharam, estarrecidos e aliviados. É que, desta feita, as notícias eram boas. Para espanto de todos, a mensagem recebida por Dorothy dava testemunho de que a fé dos ali presentes havia salvo a humanidade. Os deuses, impressionados com o fervor e a dedicação do grupo, haviam decidido cancelar o juízo final. E, sem juízo final, por que diabos os ETs enviariam um disco voador à Terra? Chegando a esta brilhante conclusão, os seguidores de Dorothy puderam dormir tranquilos, sem temer o apocalipse e sem perder a confiança que tinham na sua guia.)
Em seu pequeno livro, os três sociólogos americanos atribuíram a relutância dos seguidores de Dorothy em aceitar a realidade a um fenômeno psicológico denominado de dissonância cognitiva. Quando confrontados por fatos inegáveis que contradizem visões de mundo que defenderam publicamente, a esmagadora maioria dos grupos sociais prefere negar a verdade desses fatos a sofrer a vergonha de ter que reconhecer o erro que cometeram, mesmo que, para isso, precisem criar explicações alternativas absurdas.
Se a tese de “When Prophecy Fails” estiver correta, logo logo estaremos lendo em algumas seletas colunas de jornal e em textos divulgados em nossa melhores universidades que os depoimentos de Antonio Palocci, de Marcelo Odebrecht e de todas as demais testemunhas e delatores que relatam supostos crimes de Lula e do PT desde o mensalão não só foram obtidos sob tortura, como também foram induzidos telepaticamente pelos juízes Joaquim Barbosa e Sergio Moro. E que, obviamente, a mídia golpista retransmitiu as telepatias desses juízes nefastos por todo o país, o que explica a perda de popularidade do líder petista. É ou não é, camaradas?
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