A inflação bem menor que a prevista há um ano preserva o poder de compra e isso é bom para a economia, mas a arrecadação do governo é baseada em preços correntes
Muito boa para os consumidores e inesperada até há pouco tempo, a inflação de 2,71% em 12 meses, a menor para o período em mais de 18 anos, complicou a gestão das finanças públicas. Será quase um escândalo se o presidente Michel Temer ou qualquer de seus ministros se queixar da forte desaceleração dos preços. Afinal, o governo pode exibir a desinflação como um sinal de avanço na correção dos maiores desajustes nacionais. Os dirigentes do Banco Central (BC) podem apontá-la como prova do acerto de sua política – e em seguida, como se espera no mercado, cortar mais um ponto porcentual dos juros básicos. Mas, apesar de todos esses registros positivos, o sucesso na contenção da alta de preços prejudicou a arrecadação de impostos e contribuições e atrapalhou severamente o esforço de redução do déficit primário das contas públicas.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, apontou a inflação baixa, recentemente, como um problema para a execução da política orçamentária. Não se queixou do bom comportamento dos preços, é claro, mas foi claro na identificação do problema. Quando a proposta orçamentária foi elaborada, há um ano, esperavam-se para 2017 um crescimento econômico pouco acima de 1% e uma inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em torno de 5%. Os fatos desmentiram todas essas projeções e isso começou a ficar bem claro no começo do ano.
O economista-chefe da corretora Tullet Prebon, Fernando Montero, divulgou em nota um exercício sobre o efeito fiscal da forte desinflação. Comparando a inflação média projetada há um ano e aquela compatível com os números atuais, ele encontrou uma perda de R$ 29 bilhões na arrecadação federal. Nessa comparação, a variação média do IPCA foi usada como base para a estimativa da receita nominal, isto é, em valores correntes. Um cálculo completo envolveria outras variáveis, mas o exercício divulgado é suficiente para que se tenha uma boa ideia da perda.
A inflação bem menor que a prevista há um ano preserva o poder de compra e isso é bom para os consumidores e, de modo geral, para o funcionamento da economia, mas a arrecadação do governo é baseada em preços correntes. Num cenário mais próximo daquele esperado quando se preparou a proposta orçamentária, seria bem mais fácil atingir a meta fiscal deste ano, um déficit primário igual ou inferior a R$ 139 bilhões. Ficam fora do resultado primário os juros da dívida pública.
O baixo crescimento econômico e o alto desemprego também dificultam, naturalmente, a obtenção da receita prevista. Mas a principal surpresa negativa tem sido mesmo a desinflação. Em julho, o IPCA subiu 0,24%, voltando ao território positivo, depois de uma queda de 0,23% em junho. Mesmo assim, a alta acumulada em 12 meses foi a menor desde o período encerrado em fevereiro de 1999, quando ficou em 2,24%. Mas o ligeiro repique mensal observado em julho resultou de fatores pontuais, como o aumento do PIS-Cofins cobrado sobre os combustíveis e a introdução da bandeira amarela na conta de luz.
O encarecimento da energia elétrica (6%) foi o principal fator de alta do IPCA. O item alimentação e bebidas, correspondente a um quarto das despesas familiares, recuou 0,47%, na terceira queda mensal consecutiva. Não se esperam grandes pressões inflacionárias nos próximos meses.
Mas é preciso olhar bem adiante. Hoje, a inflação baixa prejudica a arrecadação nominal e dificulta o ajuste das contas públicas. À frente, pressões inflacionárias poderão ressurgir, se a arrumação das finanças do governo continuar atrasada. Para manter a inflação controlada, e em níveis mais ou menos civilizados, será preciso avançar na recuperação e, mais que isso, na reconstrução das contas fiscais. Isso exigirá uma racionalização de gastos, muito difícil enquanto permanecer a rigidez orçamentária. Exigirá também, como fator indispensável, a reforma da Previdência. Cumpridas essas condições, será possível manter contas públicas saudáveis e inflação controlada, num ambiente muito mais propício ao crescimento econômico.
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