O GLOBO - 06/08
Brasil precisa de uma Constituição enxuta, para durar, que não seja um regimento. De princípios básicos, de poucos artigos e expressando o acolhimento de inovação
Marchinha carnavalesca de Lamartine Babo, de 1933, perguntava: “Quem foi que inventou o Brasil?”, e respondia, “Foi seu Cabral, no dia 21 de abril, dois meses depois do carnaval”. Realmente, o que se descobriu foi um território, sobre o qual o Brasil seria construído. A marchinha é simplesmente 50 anos anterior à publicação nos Estados Unidos de “Imagining America”, de Conrad, que ficou famoso ao declarar a América como um produto da imaginação. E já anunciava a pós-modernidade, ao associar o Descobrimento e o carnaval carioca.
No começo da colonização do novo continente, o Brasil chegou a ser economicamente mais desenvolvido do que os Estados Unidos, quando, na época do mercantilismo, o comércio internacional valorizou os produtos agrícolas tropicais. No entanto, hoje o país se encontra atrasado em relação ao desenvolvimento americano, “apegado ao passado”, carente do novo. Inova-se em supérfluos, como nas formas de acesso eletrônico de contas bancárias, dando trabalho a uma população cada vez mais idosa, não em setores essenciais. A ausência de uma industrialização guiada por classe empresarial nacional, o bacharelismo, a insularidade e outras razões têm sido citadas para explicar o atraso. Qual, porém, a origem destes óbices à inteligência brasileira?
Paga-se o preço do estabelecimento da Inquisição. Iniciada antes de 1500, o Brasil se tornara um refúgio da sua presença em Portugal, mas, ela acabou se estendendo para cá, tendo durado até 1824, e coincidindo com o processo da escravidão mais longa o mundo. A Inquisição, além de instituir práticas de corrupção, utilizando acusações de fé para confiscar fortunas, conseguiu moldar qualidades sociais pautadas em expressões como “ficar no muro” e “mineirice”. Ela criou barreiras ao pensamento lógico e dialético e à prática do debate público e obstáculos a inovações.
Depois de fases nas quais se voltou para a questão da diferença de classes, o Brasil passa por um novo momento, quando reage também ao quadro cultural de imobilidade centenária, sob a influência de novas gerações, e que se expressa em atos contra a corrupção endêmica e contra a desqualificação política. É em meio deste quadro que se coloca a discussão da convocação de uma Assembleia Constituinte, e que tem o nosso apoio.
Vozes têm se oposto sob alegações corretas, de que a Constituição não é um instrumento de planejamento do desenvolvimento e que no Brasil se tem visto a sucessão de Constituições. A visão dialética é que, por isso mesmo, uma nova se torna necessária. O que se tem visto é uma sucessão de emendas constitucionais, de acordo com cada momento histórico, como as atuais reformas trabalhista e assistencial, para uma Constituição de centenas de artigos, que mais se parece com um regimento.
A Constituição dos Estados Unidos é a mesma desde a Independência, do século XVIII, e contém menos de 20 artigos, os princípios básicos do regime. Qualquer medida reguladora nova é proposta pelo Legislativo, e sua constitucionalidade é julgada pela Suprema Corte. O que se propõe, atrelada à ideia de nova Constituinte, é uma Carta enxuta, para durar, que não seja um regimento. De princípios básicos, de poucos artigos, e expressando o acolhimento de inovação, imaginação e criação.
Pedro Geiger é professor da Uerj; Adair Rocha é professor da PUC-Rio
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