Existe uma tendência depressiva no mundo contemporâneo, com certeza. Esse viés depressivo já foi identificado há cerca de dois séculos pelo filósofo alemão FWJ Schelling (1775-1854), quando disse que o fundo da personalidade era uma melancolia infinita e que nossa vida era a luta para sobreviver a ela, inclusive, negando sua existência. Sabemos que Schelling é o verdadeiro descobridor do inconsciente, mais tarde investigado por Freud, Jung e tantos outros. Devemos aos românticos idealistas, como Schelling, a invenção da psicologia profunda.
Um dos traços dessa síndrome é a tentativa de negação das dimensões sombrias que todo saber triste traz em si mesmo. Outro autor do período romântico, Soren Kierkegaard (1813-1855), dizia que todo verdadeiro autoconhecimento passa por um profundo entristecimento consigo mesmo.
O romantismo foi o grande mal-estar com a modernização cujos sintomas se faz sentir até hoje, mesmo que contaminados pelo mercado que vende tudo, até mal-estar chique em mosteiros no Vietnã.
Mas há outro sintoma nessa síndrome de negação de qualquer contradição e sofrimento que define nosso retardo mental contemporâneo: a negação de toda dimensão sombria em nosso ser, psicológico, social, político, moral, que se caracterize por algum traço de violência ou mal em nós mesmos.
O mal está sempre nos outros. E, se em mim existe algo que pode ser ou sempre foi índice de maldade, por exemplo, logo transformo esse traço em algo "legítimo" que exige seus "direitos".
Como se Freud nunca tivesse existido, passamos a acreditar mesmo que a pulsão de morte é uma invenção do capitalismo. Ou que a sombra da qual falava Jung não passa de formas políticas de opressão. Ao contrário do cristianismo, que pelo menos nos deixava ser um pecador, e, com isso, resguardava alguma dignidade do mal em nós, a tradição humanista de Rousseau a Marx e Foucault nos nega até isso: o mal são os outros, em mim habita apenas a doçura, os bons sentimentos e as boas intenções.
Quando esse mal exterior para de contaminar meus "afetos políticos alegres", torno-me um ser tão adorável que Jesus, ele mesmo, se sentiria humilhado diante de tão bons sentimentos.
Quando é retirada de nós toda forma de mal possível, perdemos nossa espinha dorsal. Não há dignidade em nós se em nós não existir nenhuma sombra intratável. Talvez seja por isso que Deus criou o mal: para nos salvar do retardamento mental e moral. Sem a dignidade do mal não há bem que não seja alguma forma de farsa.
O leitor, curioso, deve estar se perguntando: afinal, o que essa filosofia tão profunda teria a ver com algo tão prosaico como uma dominatrix vegana? E a leitora, em sua perspicácia feminina: seria essa dominatrix vegana uma forma de fantasia erótica do colunista? Esqueçamos a filosofia profunda, fiquemos com a dominatrix vegana.
Como todos sabem, dominatrix é uma mulher dominadora que faz você sentir dor num relacionamento sadomasoquista, hoje chamado de BDSM = bondage (escravidão), disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo. Normalmente representada vestida em couro, ela bate, humilha e realiza o sonho de uma mulher que domine você plenamente (claro que existem figuras assim em todos os gêneros e sexos, que ninguém fique ofendidinh@ porque não cito todos os 7 bilhões de gêneros que berram por aí).
Não vou fazer uma avaliação moral desse tipo de tara sexual, apesar de considerar todo perverso um monótono. O que me chama atenção é o fato de que em breve você encontrará uma mãe numa reunião de pais e mestres exigindo que a escola permita que ela traga sua dominatrix nas próximas reuniões. E que BDSM seja ensinado como uma forma de diversidade sexual legítima para menines. E, como as escolas estão mais perdidas do que cego em tiroteio, vítimas de modas baratas há décadas, provavelmente aceitarão. Logo bancos farão comerciais com dominatrix sonhando com a casa própria.
E a dominatrix, quando vier à escola, se apresentará como vegana, numa forma de atestar que é uma santa sobre a face da Terra.
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