ESTADÃO - 05/09
Fecha-se um ciclo, abre-se um novo. Eis o foco do qual não nos podemos desviar
Terminou o longo e penoso ciclo de poder petista. Após 13 anos, o País, enfim, acordou podendo ver uma realidade que lhe era subtraída. O peso da ficção e da ideologia impediam de ver tudo o que estava, contudo, aí! A agora ex-presidente, com sua soberba, foi o triste – e muitas vezes ridículo – epílogo desse período. O Brasil foi a sua vítima.
O profeta da salvação revelou-se um farsante! A promessa de redenção dos pobres levou a um desemprego de aproximadamente 12 milhões de pessoas que, num certo dia, acreditaram na ficção de um discurso, cujos maiores beneficiários foram o PT e as suas empreiteiras. Muitos enriqueceram, enquanto outros, na sociedade, não tinham mais do que viver. Uns falavam em nome dos pobres, enquanto estes ficavam sem dicção.
Lula, o criador, gabava-se de eleger um poste, também denominado criatura. Cioso de sua onipotência, fez com que aos pés deste país se abrisse um abismo, o da recessão, da queda abrupta de renda, da inflação que corrói os salários, da desestruturação do Estado, do sucateamento da Petrobrás, privatizada partidariamente, e assim por diante. Para muitos, a ascensão do PT ao poder foi como um sonho e a sua realização, um poderoso pesadelo.
No atual contexto, o de aprovação do impeachment da agora ex-presidente Dilma Rousseff, deve-se ter em vista que este é o fato essencial, não devendo a visão ser obscurecida pelas artimanhas de último minuto que não a inabilitaram para o exercício de cargos públicos. O principal não pode ceder lugar ao secundário.
De alguns senadores tudo se pode esperar, menos preocupação com o bem coletivo, algo exposto pelo fatiamento bizarro de um artigo constitucional. É como se a Constituição fosse um bolo do qual se pudessem cortar fatias à conveniência de alguns que se pretendem poderosos ou simplesmente gulosos!
A presidente foi apeada do poder e, constitucionalmente, assumiu o vice-presidente, no exercício pleno de suas funções. Fecha-se um ciclo, abre-se um novo. Eis o foco de que não nos podemos desviar. O ganho é imenso! Há apenas um ano, poucos eram os que estavam convencidos de que o PT seria, conforme todas as leis deste país, afastado do poder.
O diferencial reside, neste momento, em que o novo presidente da República deverá continuar perseverando numa mudança da política econômica e das políticas públicas em geral, mostrando que um novo País é possível. Suas sinalizações já foram muito positivas, faltando-lhes, ainda, a concretização em futuro próximo. Vários projetos de lei e emendas constitucionais já se encontram no Congresso Nacional e outros deverão ser enviados em breve espaço de tempo, como os das reformas previdenciária e trabalhista.
O Brasil não pode mais conviver com o descalabro e a herança petistas. A manifestação pública de Michel Temer assumindo o compromisso com essas reformas e propugnando pela pacificação nacional é a expressão clara de que o País caminha para uma transformação decisiva, sem que se perca a percepção de que esse caminho está cheio de percalços e armadilhas. Algumas delas foram bem armadas, como a do aumento salarial para vários setores do funcionalismo público quando, em contraste, quase 12 milhões de pessoas estão desempregadas.
O secundário consiste na manobra conduzida pelo PT e por setores do PMDB, capitaneados pelos senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu, para não inabilitar a presidente definitivamente afastada para assumir cargos públicos. O objetivo da manobra estaria em aliviar a pena da ex-presidente, num prenúncio, perigoso, de que a mesma “interpretação” possa ser eventualmente aplicada a condenados pela Operação Lava Jato.
Eis uma amostra dos obstáculos que o presidente Temer terá de enfrentar quando os setores menos qualificados do Senado e da Câmara dos Deputados se insurgirem contra qualquer proposta governamental. Aparentemente, dir-se-ão, por exemplo, defensores de determinados “direitos sociais”, quando, na verdade, estarão apenas atendendo a interesses corporativos e aos seus próprios. Barganhas dos mais diferentes tipos continuarão a aparecer, no molde dessa entre o PT e setores do PMDB, sempre contra os interesses da Nação.
Um exemplo particularmente ilustrativo foi o de uma senadora que produziu uma esquisita “justificativa”, a de que a presidente não deveria ser inabilitada para o exercício de cargos públicos por não poder viver com um rendimento de R$ 5 mil. O discurso foi piegas e teve como suposto argumento o de que a condenação, se não fatiada, seria uma “injustiça”. Estranha noção de injustiça.
O absurdo é visível: uma criminosa por responsabilidade fiscal, responsável pela maior crise recente da História brasileira, com o País arruinado, estaria sendo tratada “injustamente”. Nem uma palavra sobre os milhões de brasileiros que tiveram redução salarial ou lutam para sobreviver e para quem viver com R$ 5 mil por mês não passa de um sonho. Estes, sim, foram tratados injustamente pelo conjunto da obra petista e, em particular, pela presidente que vem de se afastar.
A inversão é total: a responsável por esta calamidade não deveria ser injustamente responsabilizada!
A ex-presidente Dilma, se tem problemas financeiros, poderia procurar emprego nas empresas favorecidas por seu governo. Deveria, isso sim, ser por elas recompensada pelos altos lucros que tornou viáveis. Empreiteiros poderiam empregá-la, claro que agora sem o pagamento de propinas por contratos que irrigavam seus cofres. Deveria ser contratada por sua “competência” administrativa.
O mesmo valeria para alguns bancos que eram recebidos no Palácio do Planalto com tapete vermelho e indicavam ministros da área econômica. Os seus dirigentes eram tratados com o maior esmero. Seria, aliás, o momento da retribuição e da recompensa.
Injusto é o contribuinte pagar por mais esta falta de decoro de senadores, comprometidos em salvar a cara da corrupção petista e da ruína produzida pela ex-presidente Dilma.
*Professor de filosofia na UFRGS.
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