Executivo e Legislativo terão de proteger os mais pobres e escolher os grupos que arcarão com o custo do ajuste
Há um consenso de que o país precisará de um amplo ajuste fiscal para retomar o crescimento de forma sustentável. O primeiro passo importante dado pelo governo foi o encaminhamento ao Congresso da PEC-241, que limita a expansão dos gastos federais à inflação do ano anterior. Apesar da sua relevância, a aprovação dessa emenda constitucional só terá efeito caso seja aprovada uma abrangente Reforma da Previdência Social. Do contrário, o ajuste será impraticável. Sem a aprovação dessa reforma, o cumprimento da PEC será muito difícil já em 2018, pois exigiria um corte bastante expressivo das despesas não associadas a educação e saúde.
Mesmo sem nenhuma descaracterização, as duas propostas não assegurarão um superávit primário suficiente para estabilizar a dívida pública como percentual do PIB até o início da próxima década. A obtenção de equilíbrio fiscal no curto prazo exigiria cortes de gastos adicionais ou aumento da carga tributária. Como o Executivo optou por um ajuste gradual das despesas nos próximos anos, restaria o aumento de tributos. Todavia, o governo garantiu que não encaminhará nenhuma proposta dessa natureza antes da discussão sobre a reforma previdenciária. Dado o calendário político, a aprovação no Congresso de uma alta de tributos antes de 2019 é improvável.
Uma alternativa seria reverter parte das elevadas renúncias de receitas tributárias, conforme já discutido neste espaço. Segundo o PLDO 2017, essas renúncias alcançarão R$ 280 bilhões em 2017. A "Folha de S. Paulo" de 26 de setembro publicou que a Receita Federal iniciou uma avaliação dos incentivos fiscais que, caso modificados, podem gerar receitas significativas. Esse estudo é bem-vindo, mas os valores podem ser bem superiores aos R$ 15 bilhões mencionados para 2017.
A estratégia mais adequada seria iniciar a avaliação pelas maiores cifras. As projeções dos principais gastos tributários para 2017 são a do Simples Nacional (R$ 80 bilhões), a da Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 28 bilhões) e a da Agricultura e Agroindústria - desoneração da cesta básica (R$ 25 bilhões). Esses segmentos respondem por R$ 133 bilhões (2% do PIB) ou quase 50% das desonerações projetadas para 2017.
Apesar da ausência de uma análise de custo-benefício para os dois primeiros grupos, o Congresso aprovou nos últimos anos a ampliação do Simples Nacional e a extensão do prazo de vigência do apoio às zonas francas. Portanto, a redução desses benefícios não avançará no curto prazo, em virtude dos fortes interesses contrários à redução desses privilégios.
O segundo maior conjunto de benefícios é direcionado às entidades sem fins lucrativos - imunes e isentas (R$ 24 bilhões) -, aos rendimentos isentos e não tributáveis - IRPF (R$ 23 bilhões) -, à desoneração da folha de salários (R$ 17 bilhões) e às deduções do rendimento tributável - IRPF (R$ 16 bilhões). Esses segmentos respondem por R$ 80 bilhões, ou mais de 25% das desonerações projetadas para 2017. A eliminação integral dessas renúncias reduziria o déficit primário em 1,2% do PIB.
Em um ambiente de crise fiscal e alta desigualdade de renda, o Congresso precisa analisar se é adequado conceder benefícios tributários para as entidades sem fins lucrativos relacionadas a instituições de ensino e de prestação de serviços médicos, clínicos e hospitalares que atendam majoritariamente as camadas mais favorecidas da população. Do mesmo modo, merece reavaliação a desoneração gerada pela redução da base de cálculo do IRPF das despesas com serviços médicos e clínicos (R$ 12 bilhões) e com instrução (R$ 4 bilhões) do contribuinte e de seus dependentes em 2017.
No atual contexto de debate sobre a reforma previdenciária, seria apropriado rever não apenas as despesas futuras como também as isenções e reduções de alíquotas da contribuição para a Previdência Social, previstas em R$ 60 bilhões para 2017. A eliminação da desoneração da folha de pagamentos talvez seja a parcela de mais fácil reversão no Congresso, por conta da sua incapacidade de evitar a elevada alta do desemprego.
Também são questionáveis os benefícios associados à redução da base de cálculo e à modificação das alíquotas para as microempresas e empresas de pequeno porte que optam pelo Simples (R$ 22 bilhões), à isenção das contribuições previdenciárias patronais para as entidades beneficentes de assistência social (R$ 12 bilhões) e à diminuição da alíquota da contribuição previdenciária do microempreendedor individual (R$ 1 bilhão).
Há vários outros privilégios passíveis de reconsideração. Por exemplo, não parece razoável oferecer isenção de IRPF de R$ 6,1 bilhões para os rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, limitados a valores específicos, para contribuintes acima de 65 anos. Seria importante, também, reavaliar os benefícios da dedução no IRPJ dos gastos de empresas com serviços de assistência médica, odontológica e farmacêutica a empregados (R$ 5 bilhões) e com Programas de Alimentação do Trabalhador (R$ 1 bilhão) e as isenções e reduções de diversos tributos, como para os setores de embarcações e aeronaves (R$ 2 bilhões) e automotivo (R$ 2 bilhões).
Mesmo se o ajuste fiscal não fosse necessário, haveria ganho de eficiência econômica e aumento do crescimento potencial, caso uma parte das desonerações fosse extinta e substituída por um corte horizontal de impostos. Todavia, apesar de a maioria ser a favor da redução das excessivas renúncias tributárias, que alcançam mais de 4% do PIB ao ano, a maioria argumenta que os benefícios oferecidos a seus setores não podem ser extintos, pois elevariam o desemprego e a inflação.
A avaliação dos benefícios das renúncias tributárias dependerá, em grande medida, do juízo de valor do governo e do Congresso. Ao fim, Executivo e Legislativo terão de proteger os mais pobres e escolher os grupos que arcarão com o custo do ajuste fiscal. Como já defendi neste espaço em diversas ocasiões, todos teremos de arcar com uma parte desse custo.
Nilson Teixeira é Economista-chefe do Credit Suisse (Brasil), Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
Há um consenso de que o país precisará de um amplo ajuste fiscal para retomar o crescimento de forma sustentável. O primeiro passo importante dado pelo governo foi o encaminhamento ao Congresso da PEC-241, que limita a expansão dos gastos federais à inflação do ano anterior. Apesar da sua relevância, a aprovação dessa emenda constitucional só terá efeito caso seja aprovada uma abrangente Reforma da Previdência Social. Do contrário, o ajuste será impraticável. Sem a aprovação dessa reforma, o cumprimento da PEC será muito difícil já em 2018, pois exigiria um corte bastante expressivo das despesas não associadas a educação e saúde.
Mesmo sem nenhuma descaracterização, as duas propostas não assegurarão um superávit primário suficiente para estabilizar a dívida pública como percentual do PIB até o início da próxima década. A obtenção de equilíbrio fiscal no curto prazo exigiria cortes de gastos adicionais ou aumento da carga tributária. Como o Executivo optou por um ajuste gradual das despesas nos próximos anos, restaria o aumento de tributos. Todavia, o governo garantiu que não encaminhará nenhuma proposta dessa natureza antes da discussão sobre a reforma previdenciária. Dado o calendário político, a aprovação no Congresso de uma alta de tributos antes de 2019 é improvável.
Uma alternativa seria reverter parte das elevadas renúncias de receitas tributárias, conforme já discutido neste espaço. Segundo o PLDO 2017, essas renúncias alcançarão R$ 280 bilhões em 2017. A "Folha de S. Paulo" de 26 de setembro publicou que a Receita Federal iniciou uma avaliação dos incentivos fiscais que, caso modificados, podem gerar receitas significativas. Esse estudo é bem-vindo, mas os valores podem ser bem superiores aos R$ 15 bilhões mencionados para 2017.
A estratégia mais adequada seria iniciar a avaliação pelas maiores cifras. As projeções dos principais gastos tributários para 2017 são a do Simples Nacional (R$ 80 bilhões), a da Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 28 bilhões) e a da Agricultura e Agroindústria - desoneração da cesta básica (R$ 25 bilhões). Esses segmentos respondem por R$ 133 bilhões (2% do PIB) ou quase 50% das desonerações projetadas para 2017.
Apesar da ausência de uma análise de custo-benefício para os dois primeiros grupos, o Congresso aprovou nos últimos anos a ampliação do Simples Nacional e a extensão do prazo de vigência do apoio às zonas francas. Portanto, a redução desses benefícios não avançará no curto prazo, em virtude dos fortes interesses contrários à redução desses privilégios.
O segundo maior conjunto de benefícios é direcionado às entidades sem fins lucrativos - imunes e isentas (R$ 24 bilhões) -, aos rendimentos isentos e não tributáveis - IRPF (R$ 23 bilhões) -, à desoneração da folha de salários (R$ 17 bilhões) e às deduções do rendimento tributável - IRPF (R$ 16 bilhões). Esses segmentos respondem por R$ 80 bilhões, ou mais de 25% das desonerações projetadas para 2017. A eliminação integral dessas renúncias reduziria o déficit primário em 1,2% do PIB.
Em um ambiente de crise fiscal e alta desigualdade de renda, o Congresso precisa analisar se é adequado conceder benefícios tributários para as entidades sem fins lucrativos relacionadas a instituições de ensino e de prestação de serviços médicos, clínicos e hospitalares que atendam majoritariamente as camadas mais favorecidas da população. Do mesmo modo, merece reavaliação a desoneração gerada pela redução da base de cálculo do IRPF das despesas com serviços médicos e clínicos (R$ 12 bilhões) e com instrução (R$ 4 bilhões) do contribuinte e de seus dependentes em 2017.
No atual contexto de debate sobre a reforma previdenciária, seria apropriado rever não apenas as despesas futuras como também as isenções e reduções de alíquotas da contribuição para a Previdência Social, previstas em R$ 60 bilhões para 2017. A eliminação da desoneração da folha de pagamentos talvez seja a parcela de mais fácil reversão no Congresso, por conta da sua incapacidade de evitar a elevada alta do desemprego.
Também são questionáveis os benefícios associados à redução da base de cálculo e à modificação das alíquotas para as microempresas e empresas de pequeno porte que optam pelo Simples (R$ 22 bilhões), à isenção das contribuições previdenciárias patronais para as entidades beneficentes de assistência social (R$ 12 bilhões) e à diminuição da alíquota da contribuição previdenciária do microempreendedor individual (R$ 1 bilhão).
Há vários outros privilégios passíveis de reconsideração. Por exemplo, não parece razoável oferecer isenção de IRPF de R$ 6,1 bilhões para os rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, limitados a valores específicos, para contribuintes acima de 65 anos. Seria importante, também, reavaliar os benefícios da dedução no IRPJ dos gastos de empresas com serviços de assistência médica, odontológica e farmacêutica a empregados (R$ 5 bilhões) e com Programas de Alimentação do Trabalhador (R$ 1 bilhão) e as isenções e reduções de diversos tributos, como para os setores de embarcações e aeronaves (R$ 2 bilhões) e automotivo (R$ 2 bilhões).
Mesmo se o ajuste fiscal não fosse necessário, haveria ganho de eficiência econômica e aumento do crescimento potencial, caso uma parte das desonerações fosse extinta e substituída por um corte horizontal de impostos. Todavia, apesar de a maioria ser a favor da redução das excessivas renúncias tributárias, que alcançam mais de 4% do PIB ao ano, a maioria argumenta que os benefícios oferecidos a seus setores não podem ser extintos, pois elevariam o desemprego e a inflação.
A avaliação dos benefícios das renúncias tributárias dependerá, em grande medida, do juízo de valor do governo e do Congresso. Ao fim, Executivo e Legislativo terão de proteger os mais pobres e escolher os grupos que arcarão com o custo do ajuste fiscal. Como já defendi neste espaço em diversas ocasiões, todos teremos de arcar com uma parte desse custo.
Nilson Teixeira é Economista-chefe do Credit Suisse (Brasil), Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
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