O interessante nesse embate entre os procuradores da Lava-Jato e ministros do Supremo Tribunal Federal é que todos têm razão em pontos específicos e estão errados em outros tantos, refletindo a complexa transição que estamos vivendo, de um país em que o patrimonialismo ainda prevalece, mas está sendo duramente combatido, para outro, mais amadurecido politicamente, em que a Justiça pode atingir a todos, e em que os direitos do cidadão são mais respeitados.
Já não somos o país em que cidadãos “acima de qualquer suspeita” estão fora do alcance da lei, mas ainda não somos o país em que todos são iguais perante a lei. A imensa desigualdade social persiste, como pano de fundo dessa mudança que se deseja, mas que ainda é inalcançável, dando margem a que populistas de todos os calibres se ofereçam como salvadores da pátria.
Há nuances, esperneios, privilégios que não querem desaparecer, categorias e corporações que se protegem da crise econômica extorquindo vantagens de um governo inseguro até que o processo de impeachment se complete. O ministro do STF Gilmar Mendes tem razão em algumas de suas críticas, embora não tenha cuidado com as palavras, que às vezes passam a sensação de buscarem mais impacto político do que a solução dos problemas que aponta.
Os procuradores, de fato, não são semideuses, não têm a solução dos problemas nacionais às suas mãos, certamente não são intocáveis. A proposta das 10 Medidas contra a Corrupção, da força-tarefa de Curitiba, certamente não é perfeita, pode e deve ser aperfeiçoada. Mas não foi feita por “cretinos”, como chegou a acusar o ministro Gilmar Mendes.
É controversa, por exemplo, a proposta de validação de provas ilícitas, desde que conseguidas com “boafé”, e isso precisa ser debatido. Mas Mendes, como respeitado constitucionalista que é, deveria apresentar propostas alternativas, não apenas destruir o que está apresentado. Tinha que ter mais cuidado para não ser identificado como um adversário da Lava-Jato.
Há exemplos históricos, como a Operação Mãos Limpas na Itália, que nos mostram que as forças contrárias ao aggiornamento dos costumes acabam se unindo, usando os métodos antigos ainda vivos para criar legislações que dificultem o prosseguimento das investigações da corrupção que tomou conta do Estado. É o que parece estar em curso neste momento no país.
O caso da “falsa” delação da OAS que insinua acusações contra o ministro do STF Dias Toffoli é exemplar de como forças ocultas atuam nos bastidores, por baixo dos panos, para tentar melar as investigações em curso, criar embaraços institucionais que só beneficiam os que querem pôr fim às investigações, que, desse ponto de vista, já chegaram aonde tinham de chegar.
Os seguidos vazamentos de informações de delações premiadas são usados, tanto pelos procuradores de Curitiba quanto pelos advogados de defesa dos acusados, para criar fatos consumados ou confundir as investigações. Todos deveriam ter sido investigados, mas não deveriam produzir a anulação das delações que tenham consistência.
A anulação da delação premiada da OAS beneficia vários setores, da atual situação ao antigo governo, unindo interesses de grupos diversos.
As teorias da conspiração são diversas, desde as que colocam o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no grupo dos que querem salvar Dilma e Lula, alvos certos das delações premiadas dos executivos da OAS, às que colocam sua atitude extemporânea na conta da proteção aos líderes tucanos que estariam também na delação da empreiteira.
A confusão generalizada só ajuda os que não têm interesse em que as investigações prossigam. Há método nessa loucura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário