O governo Michel Temer (PMDB) afinal delineou um programa econômico que alcança o ano de 2019, quando terá início o mandato de um novo presidente eleito.
Trata-se de uma estratégia gradualista de reequilíbrio das finanças públicas, que por ora adia a tomada de decisões mais duras —o presidente interino previu medidas impopulares "a partir de certo momento" e depende de reformas constitucionais ambiciosas.
A diretriz central do plano é a tolerância com deficits elevados nas contas do governos ao longo do mandato atual, o que manterá sua dívida em escalada até, no mínimo, o final da década.
Em compensação, será imposto um congelamento inédito dos gastos federais em termos reais —dito de outra maneira, os desembolsos, salvo poucas exceções, não poderão crescer acima da inflação.
Ao longo do tempo, com a esperada recuperação do emprego, do consumo e dos investimentos, a arrecadação tributária voltaria a se expandir, reequilibrando o caixa do Tesouro Nacional.
A concretização do teto para as despesas envolverá batalha dura no Congresso, onde será necessário suspender os dispositivos da Constituição que atrelam os gastos em saúde e educação a percentuais mínimos da receita.
Há pela frente ainda uma reforma das regras previdenciárias cujo texto nem sequer está esboçado, embora saiba-se da inevitabilidade de restringir benefícios e elevar a idade de aposentadoria.
A viabilidade política de tal agenda cobra, decerto, seu preço, e o governo o paga com antecedência e sem regateio. Foram dados reajustes aos salários dos servidores da União e ao Bolsa Família, mais uma nova rodada de socorro financeiro aos governadores.
A má repercussão de tanta permissividade forçou maior continência no anúncio das metas a serem perseguidas de imediato. Prometeu-se evoluir de um deficit primário (o saldo entre receitas e despesas, excluindo juros da dívida) de R$ 170,5 bilhões neste ano para um de R$ 139 bilhões em 2017.
Não são triviais, porém, as dúvidas que cercam o compromisso divulgado. Dadas as estimativas para os dispêndios, tal resultado dependerá de arrecadação adicional na casa dos R$ 55 bilhões, cuja origem, apesar de menções à privatização, permanece obscura.
Nas projeções para os anos seguintes, demonstra-se um otimismo de base inverossímil. Prevê-se a redução do deficit quase pela metade em 2018, e a zero em 2019. Não se detalharam as premissas que sustentam melhora tão célere.
É fato que o sucesso do programa pode ser acelerado caso o governo recorra a aumentos de impostos —uma possibilidade sugerida com frequência nas declarações das autoridades, que nunca chegam a desvelar a natureza e o alcance das opções cogitadas.
Um incremento mais agressivo da receita encurtaria a sequência de rombos orçamentários e saltos da dívida pública. Com a ajuda de uma melhora geral de humores a ser proporcionada pelo avanço das reformas, a medida poderia contribuir para uma queda mais rápida das taxas de juros.
Esta Folha entende que elevações da carga tributária —já excessiva no Brasil— podem ser defensáveis no atual contexto de descalabro das finanças governamentais. Devem, entretanto, ter caráter emergencial e, tanto quanto possível, transitório.
Mais virtuoso será empreender uma ofensiva persistente de venda de ativos do Estado e concessões de serviços públicos à iniciativa privada, que além de dinheiro para os cofres do Tesouro também levaria maior eficiência à economia.
Iniciativas para ampliar a qualidade dos gastos, adiadas anos a fio pela complacência burocrática e corporativa, agora se impõem pela míngua de verbas. Abundam programas a serem aprimorados ou revistos, como já se ensaia fazer com o obsoleto abono salarial.
Não faltam bons argumentos para a opção pelo gradualismo. Na arena política, Temer age premido pelo calendário desfavorável —além do andamento do processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), as eleições de outubro sabotam as chances de propostas amargas prosperarem no Congresso.
Do lado econômico, a profunda recessão, a despeito dos sinais de acomodação, ainda torna contraproducentes terapias de arrocho fiscal: cortes radicais de obras públicas ou revisões de benefícios tributários, por exemplo, acabariam por deprimir ainda mais os investimentos e a arrecadação.
A escolha fundamental do governo, portanto, está correta. Os planos complementares, porém, ainda são desconhecidos ou nem cogitados. A discussão deixará de fazer sentido e a economia pode desandar em tumulto renovado se o Congresso não aprovar as reformas, ou caso as esperanças de empresários e investidores terminem vencidas pelo cansaço.
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