ESTADÃO - 18/07
Mapa aponta caminhos para desenvolvimento sustentável que traga benefícios econômicos
Mapas foram no passado instrumento essencial não só para a navegação, como para o comércio entre países e a própria locomoção das pessoas em tempos de paz e dos exércitos em tempos de guerra. São bem conhecidas as histórias de grandes batalhas que foram perdidas no passado pela falta de conhecimento das melhores estradas e rotas que permitiriam aos comandantes escolher suas estratégias.
O grande império colonial português teve início com o mapeamento gradativo da costa da África, que permitiu a Vasco da Gama atingir a Índia, em 1498. Até recentemente qualquer viagem por via terrestre, no Brasil ou no exterior, exigia a compra de um pacote de mapas que davam em maior ou menor detalhe informações dos caminhos a seguir. Mesmo assim eram frequentes erros de trajeto devidos à falta de sinalização adequada.
Mapas começaram a se tornar obsoletos a partir da década de 1990 com o desenvolvimento do GPS (global positioning system, sistema global de posicionamento) que utiliza sinais emitidos por satélites girando em torno da Terra para nos localizar. Mais ainda, as versões modernas do GPS, que temos nos nossos automóveis, escolhem não só a rota para chegar ao destino escolhido, mas a “melhor” rota, desviando-nos de engarrafamentos e acidentes ao longo do caminho.
Inspirada no exemplo do GPS, a Agência Internacional de Energia, sediada em Paris, decidiu preparar “mapas tecnológicos” detalhados para identificar as oportunidades de redução de emissões de gases de efeito estufa nos diferentes setores da indústria e os caminhos a seguir para se modernizarem e se tornarem mais eficientes e competitivos. Essa busca se tornou particularmente importante pelo fato de que o extraordinário desenvolvimento tecnológico no século 20 foi feito com máquinas e equipamentos movidos a combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural) com contribuições pequenas de outras formas de energia, como a solar e a hidrelétrica.
Uma consequência inevitável do uso de combustíveis fósseis é a emissão de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Reduzir essas emissões é o objetivo principal da Convenção do Clima, adotada no Rio de Janeiro em 1992, e decisões importantes para atingir esse objetivo foram tomadas recentemente na Conferência de Paris, onde cada país apresentou metas de redução a serem alcançadas até 2025 ou 2030 e estratégias gerais para atingi-las.
Uma dessas propostas é a adoção de uma taxa sobre a quantidade de carbono emitido – como, por exemplo, US$ 50 por tonelada. Se isto fosse feito, o custo de um barril de petróleo aumentaria significativamente, o que aceleraria o uso de fontes de energia renováveis em todas as cadeias industriais que usam combustíveis fósseis ou estimularia o uso de tecnologias mais eficientes. Contudo é pouco provável que elas sejam adotadas nos próximos anos.
O que ocorre hoje, todavia, e vai continuar, é a busca incessante de processos tecnológicos que reduzam os custos de produção e emissão de poluentes, o que é feito no mundo todo por milhares de indústrias e empreendedores criativos. De quando em quando são feitas descobertas revolucionárias, como aconteceu na área de informática. Na grande maioria dos casos, porém, os avanços são incrementais, mas não menos significativos.
A preparação de mapas tecnológicos envolve um grande número de técnicos das próprias indústrias, que conhecem a tecnologia atual, e cientistas e técnicos das universidades e dos institutos de pesquisa, que podem ver mais à frente. No processo, mais especialistas se capacitam, o que é particularmente importante em países em desenvolvimento.
Até agora 23 desses mapas foram produzidos, cobrindo temas tão variados como produção de cimento, hidrelétricas e energia nuclear. Estão em preparação mais três, estes sobre energia eólica, bioenergia e redes inteligentes para o suprimento de energia.
Todos eles dão um panorama mundial da tecnologia, mas para serem realmente úteis precisam ser detalhados para as condições existentes em cada país, levando em conta seu estágio de desenvolvimento, seus recursos naturais e sua capacitação técnica.
Isso é o que está sendo feito atualmente para o setor de cimento no Brasil, que é bastante moderno e tem a interessante característica de se tratar de um setor com menores emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, quando comparadas com as emissões de outros países.
Seria muito recomendável que esse esforço de mapeamento tecnológico fosse estendido para outras atividades industriais do nosso país. Um dos aspectos mais interessantes desse tipo de trabalho é que ele permite também identificar as barreiras institucionais e regulatórias que impedem o avanço tecnológico.
Dispondo de um desses “mapas” o governo poderia aperfeiçoar seus instrumentos regulatórios; os bancos, seus investimentos; e os industriais, suas escolhas. Por exemplo, no mapa tecnológico da indústria de cimento na Polônia verificou-se que o uso de resíduos urbanos como combustível, nessa indústria, cresceu de menos de 20% para mais de 80% quando lixões foram proibidos e impostos elevados foram criados para desencorajar a disposição dos resíduos em aterros sanitários. Sem outra opção as indústrias passaram a usar os resíduos como combustível na produção de cimento.
Os mapas tecnológicos da Agência Internacional de Energia têm como foco principal a redução de gases de efeito estufa, mas esse é apenas um dos aspectos do problema. Mais do que isso, porém, eles apontam caminhos para a modernização e um desenvolvimento sustentável que traga benefícios econômicos e ambientais.
*PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO (FAPESP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário