ESTADÃO - 11/07
Até pouco tempo atrás, o regime fundado por Hugo Chávez era objeto de admiração para os progressistas do mundo inteiro. Viajar para a Venezuela e ver as realizações da revolução bolivariana passou a fazer parte do programa de inúmeros ativistas. A Venezuela de Chávez era motivo de celebração. Isso acabou. Não há o que celebrar em meio à calamidade. E culpar pela catástrofe venezuelana os Estados Unidos, as elites ou a queda dos preços do petróleo convence apenas um reduzido grupo de ingênuos – ou fanáticos. O regime chavista deixou cair a máscara: seu militarismo, autoritarismo, corrupção e desprezo pelos pobres estão expostos.
Por que o mundo demorou tanto para conscientizar-se disso? Porque Chávez inovou ao criar um modo de atuar na política no século 21 que conjuga um simulacro de democracia com poder ilimitado e um boom do petróleo.
O primeiro ingrediente foi a manipulação do sistema eleitoral. Chávez entendeu rapidamente a importância de não aparecer perante o mundo como mais um militar que governa de forma autocrática. Enquanto houvesse eleições, ele seria um democrata. Poucas pessoas fora da Venezuela pareciam estar interessadas nos tediosos detalhes das listas eleitorais falsificadas ou no uso maciço do dinheiro público para a compra de votos.
Os venezuelanos votaram 19 vezes desde 1999, e o chavismo ganhou em 17. A cada eleição, a Constituição era mais violada, os tribunais e os organismos de controle, mais cooptados, os contrapesos institucionais mais debilitados e as liberdades mais limitadas.
A torrente de petrodólares que jorrou no país durante a longa bonança do petróleo, de 2003 a 2014, se avolumou em razão do endividamento que hoje chega a US$ 185 bilhões, impossível de saldar. O dinheiro foi usado com dois propósitos: subsidiar o consumo das classes populares e a corrupção da oligarquia chavista. Enquanto isso, a economia real entrava em queda.
Quando sua popularidade despencou, o governo foi obrigado a mudar seus truques e passou a retirar recursos e autoridade das instituições cujo controle estava perdendo.
Caracas elegeu um prefeito da oposição, mas Chávez acabou com suas principais competências e Maduro ordenou sua prisão. Quando os eleitores conferiram o controle da Assembleia Nacional à oposição, o Supremo Tribunal – repleto de chavistas – bloqueou todos seus atos. O compromisso do governo com a democracia durou enquanto durou a maioria eleitoral.
Algo semelhante ocorreu com a imprensa. Chávez entendeu que fechar os veículos independentes comprometeria sua reputação internacional. Recorreu então a testas de ferro para comprá-los e garantir sua submissão. Dezenas de jornalistas foram silenciados e a liberdade de imprensa na Venezuela se transformou em uma farsa.
A retórica chavista de solidariedade com os pobres também se revelou fraudulenta. Os discursos de amor a eles encobriam o saque do país por parte de Cuba, da incomensurável corrupção dos militares e dos amigos e parentes do regime.
Enquanto os protestos da população desesperada em razão da fome são reprimidos com inusitada violência, líderes chavistas aparecem bêbados nas redes sociais encalhando seus luxuosos iates. Enquanto recém-nascidas morrem pela escassez de remédios, o Supremo leal ao governo censura a Assembleia por ter solicitado ajuda humanitária internacional. O governo não tem respostas para a crise e sua indiferença ao sofrimento do povo provoca indignação.
A comunidade internacional tem reiterado sua preocupação com a Venezuela, mas estas declarações não tiveram grandes consequências. O mínimo que podemos fazer é admitir que a fachada democrática do chavismo foi derrubada, e a cruel ditadura que se escondia por trás dela foi escancarada. A esquerda progressista do mundo não pode continuar calada diante da tragédia da Venezuela. /Tradução de Anna Capovilla
É COLUNISTA DO ESTADO; ARTIGO ESCRITO COM FRANCISCO TORO, JORNALISTA VENEZUELANO
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