REVISTA VEJA
A Lava-Jato não vai abalar meu governo
O presidente em exercício diz que é "zero" a chance de as investigações provarem algo contra ele e que a economia vai melhorar depois da definição do impeachment
Certo de completar dois meses na Presidência da República, o presidente em exercício, Michel Temer, tem trabalhado até dezessete horas por dia - preço que paga por liderar um governo montado em prazo bíblico. Foram sete dias ao todo, segundo ele, um tempo exíguo que não foi definido apenas pelas circunstâncias, mas também por um distanciamento do poder que ele se auto impôs às vésperas da votação do impeachment na Câmara para evitar a pecha de conspirador - já que, como diz, "o vice é sempre o principal suspeito".
De segunda a sexta, o peemedebista continua morando no Jaburu, o belo palácio que Oscar Niemeyer projetou para parecer "uma casa de fazenda", e que lembra mesmo uma, mais ainda quando as galinhas que ciscam à beira do lago comparecem de surpresa às reuniões que o presidente em exercício faz na sala envidraçada voltada para o jardim. Lá, em entrevista a VEJA, ele defendeu as privatizações de tudo "o que for possível", revelou ser contrário à criação de normas para "disciplinar" as delações premiadas, mas disse considerar "discutível" a decisão que prevê a prisão imediata dos réus condenados em segunda instância. Ao comentar a possibilidade de o deputado Eduardo Cunha renunciar à presidência da Câmara, contou que o aconselhou a "meditar a respeito". Sobre ele próprio, afirmou ser "zero" a chance de ter uma acusação comprovada na Lava-Jato. Reclamou da "campanha" dos adversários e elogiou a mulher, Marcela, a quem julga "preparadissima" para entrar na vida pública. A estreia, disse, se dará assim que ela se mudar para Brasília com o filho do casal, Michelzinho, o que deve acontecer em agosto, se tudo correr como se prevê e o hoje presidente em exercício se tornar o 37-presidente da República do Brasil.
O senhor diz que teve apenas sete dias para montar o governo. Por quê?
Quis esperar a votação da admissibilidade do impedimento pelo Senado. Apenas seis dias antes, quando se verificou que ela se daria, comecei a organizar o governo. Montar uma equipe em seis, sete dias é trabalho insano. Adotei como prioridade a área econômica, com atenção especial à questão do desemprego. Acho que fizemos da melhor maneira possível.
O prazo curto explica escolhas que, logo depois, se mostraram equivocadas?
Eu tinha de fazer uma boa equação com o Parlamento. Alguns ministros deixaram o governo assim que o meu partido declarou independência. Pelo menos um (refere-se a Henrique Alves,ministro do Turismo, acusado de ter recebido propina no escândalo da Petrobras) eu tinha até um dever moral de trazer de volta. O outro é o senador Romero Jucá, que é figura importante no plano governamental, conhece economia como poucos, tem uma capacidade de articulação extraordinária. Mas depois surgiu aquele acidente (o ministro apareceu em gravação tentando "estancar a sangria" da Lava-Jato). O terceiro é Fabiano Silveira (que deixou o Ministério da Transparência depois que apareceu em gravações criticando a Lava-Jato). Os três pediram para sair. Aliás, o Henrique até saiu antes que viesse à luz qualquer coisa. Ressalte-se: eles saíram de imediato, diferentemente do que se via antes.
Esse será o procedimento-padrão de seu governo?
Procurarei tomar essa providência. Mas, antes, farei uma pré-avaliação. No Brasil, estamos perdendo um pouco a noção de que existe todo um processo. Hoje, basta alguém falar de alguém que ele já está pré-condenado.
O senhor é a favor da prisão imediata do réu após a condenação em segunda instância?
Como presidente em exercício, tenho de tomar muito cuidado com o que digo. Eu diria que é uma matéria discutível essa da prisão no segundo grau.
E sobre as tentativas de restringir as delações premiadas?
Pessoalmente, não sou favorável à mudança dos critérios da delação. Tal como está, considero que está bem. É claro que o sistema normativo exige que a delação seja comprovada.
Ao afastar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o Supremo invadiu a competência do Congresso?
O Supremo muitas vezes decide segundo os princípios constitucionais, muitas vezes isso não está na letra da lei. Nesse caso, o próprio relator, adequadamente, foi buscar uma norma no Código do Processo Penal. Decisão correta, portanto. Prefiro só dar a opinião jurídica nesse caso.
De zero a 10, qual é a possibilidade de a Lava-Jato abalar seu governo?
Zero. Convenhamos, em 45 dias resolvemos o problema federativo no país com a dívida dos estados, aprovamos a Desvinculação de Receitas da União, a DRU, em duas semanas... No caso das estatais, o projeto estava parado no Senado. Votamos na Câmara. São exemplos de que a Lava-Jato não atrapalha em nada.
E qual é a possibilidade de a Lava-Jato atingi-lo pessoalmente?
O que houve é que fui presidente do partido por muitos anos. Entravam doações, todas oficiais. Há uma tendência para criminalizar as doações oficiais. É preciso separar bem o que é propina do que foi doação legal.
O senhor presidiu o PMDB durante quinze anos. As investigações mostram que, nesse período, houve pagamentos de propina a José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá e Eduardo Cunha...
O senhor nunca suspeitou de nada?
Eu cuidava das doações oficiais. Nunca soube que alguém pudesse dar verbas fora da doação oficial. E são afirmações que merecem comprovação, não são definitivas, têm de ser comprovadas.
O que a interinidade o impede de fazer no governo?
Embora sinta que a confiança no Brasil está começando a renascer, reconheço que o investimento estrangeiro está esperando para ver o que vai acontecer em agosto, na votação do impeachment. Tenho a impressão de que então se abrirá um novo campo. É a única observação que faço em relação ao, digamos, prejuízo da interinidade. Fora isso, só o lado pessoal.
Como assim?
Campanhas contra mim, por exemplo. Enquanto existir a interinidade, existe a perspectiva do retorno. E, enquanto existir a perspectiva do retorno, desejosos desse retorno se dedicarão a esse tipo de ação. Tentaram invadir o meu escritório em São Paulo. Outro dia, um grupo se postou em frente à minha casa e começou a gritar palavrões, assustando minha mulher e meu filho. Os dois ficaram chorando, foi muito desagradável.
Do ponto de vista pessoal, sua vida mudou muito depois de o senhor assumir a Presidência?
Comecei a compreender que a vida do presidente da República é muito devassada, não há como evitar. Hoje, não vou a cinema, não vou a restaurante, não ando mais na praça como fazia. Se eu for, vão dez seguranças junto.
O senhor tem experiência nisso, mas a primeira-dama nem tanto.
Mas graças a Deus ela é muito discreta, não se deslumbra com certas coisas. Evidentemente, vindo para Brasília, ela terá uma participação nas questões da área social, acho que será até útil para ela. Ela até hoje cuidou do nosso filho.
Ela está preparada para a vida pública?
Ah, pre-paradíssima. Ela tem tranquilidade, especialmente em face da discrição. Vocês publicaram aquela reportagem "Bela, recatada e do lar". Eu gostei, ela também ficou feliz, mas os nossos inimigos nos bombardearam. "Está vendo: não trabalha, é do lar, fica em casa. Isso deve ser culpa do Temer, o Temer a impede."
O senhor mandou impor restrições à equipe da presidente afastada Dilma Rousseff?
Nenhuma restrição foi imposta. A equipe diz que ela foi impedida de usar os aviões da FAB. Ela não está em exercício. Portanto, não está exercendo funções públicas. Você tem transporte aéreo para funções atinentes ao governo. Mas ela começou a usar a estrutura oficial para participar de um movimento chamado algo como "mulheres guerrilheiras contra o governo e contra o golpe". Então, ficava esdrúxulo que a senhora presidente usasse o aparato governamental para fazer campanha contra o governo.
Numa reunião com ministros, o senhor afirmou que o governo vai "privatizar tudo". O que quer dizer?
Um Estado liberal como o nosso é poderoso na medida em que a iniciativa privada produz bons resultados. Vamos tomar o caso do emprego. A administração pública cria emprego? Não, você cria emprego quando as empresas prosperam. Então, quando digo "vamos privatizar tudo", não é tudo, claro. É: na medida do possível, devemos privatizar.
Algum setor será blindado?
A Petrobras, sem dúvida. Ela está muito ligada à ideia da nacionalidade, patriotismo.
Correios?
Isso já não me parece tão complicado.
Bancos públicos?
Não vejo como fazer isso. Muitos têm uma função social, como o BNDES e a Caixa Econômica. Mas tudo o que eu adiantar agora será um pouco irresponsável, isso demanda estudos. Talvez eu abra novas frentes na área de concessões. Vamos também incrementar as áreas de portos, aeroportos, onde elas já vêm sendo feitas, mas estão paralisadas.
O senhor tem alguma viagem internacional prevista para quando, e se, se tornar presidente definitivo?
Sim, quero buscar investimentos para o país. Pretendo ir aos Estados Unidos, aos Emirados Árabes e ao Japão. Essas viagens incentivam a aplicação do capital estrangeiro.
Qual será a primeira medida se o senhor se tornar presidente efetivo?
Há medidas que já estão sendo examinadas. A questão da Previdência, por exemplo. Elas demandam estudos e concertação nacional. Já fiz aqui no Jaburu duas ou três reuniões com as centrais sindicais, porque não dá para fazer uma coisa que vai gerar movimentos de rua, protestos. Tem de ter um mínimo de consenso.
O senhor é favorável à redução da diferença do tempo de aposentadoria entre homens e mulheres para três anos?
Defendo a ideia de que no caso da mulher haja uma pequena diferença. Agora, há algo interessante. A Constituição prevê o somatório de duas condições: idade e tempo de contribuição. Está escrito lá: na Previdência, você só pode se aposentar se reunir duas condições. A primeira: 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher. A segunda: 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. Agora, não sei o que aconteceu que, com o tempo, se entendeu que isso era uma alternativa e não um somatório das duas condições.
As pesquisas de opinião lhe dão um alto índice de rejeição. Como interpreta esse resultado?
Não estou preocupado com isso. Deve estar quem é candidato em 2018. Como eu não sou, não estou. Também, essas pesquisas acho que foram feitas até o trigésimo dia do governo, as pessoas ainda estão olhando. Mas a rejeição não aumentou, até caiu um pouco. Vamos avaliar daqui a um ano.
O senhor não será candidato em 2018 nem na hipótese de seu governo ser um retumbante sucesso?
Não preciso mais disso, com toda a franqueza. Já fiz muita coisa. Com muita discrição, claro, nunca fui carro alegórico, mas acho que já cumpri meu papel. E me convenci do seguinte: para exercer certas funções, particularmente a de presidente, você precisa ter uma vida interior muito sólida, senão você não existe. Acho que eu tenho uma vida interior bastante sólida.
O que é uma vida interior sólida?
Ah, eu leio muito.
O que o senhor tem lido?
Tanta coisa. Tenho lido muitas biografias. A do Getúlio, por exemplo, os três volumes.
E a poesia? Tem conseguido escrever?
Não, não mais. O livro de poesias que publiquei foi meio brincadeira. Mas vou dizer uma coisa: desde pequeno, sempre quis ser escritor. Não tinha um autor preferido, sempre fiz uma leitura muito variada. Por exemplo, li todos os volumes do Ken Follett. Aqueles de mil páginas cada um: Os Sete Pilares da Sabedoria... Leio muito variadamente. Mas, em poesia, Vinicius de Moraes era o meu encantamento durante a faculdade. Tinha um colega que tocava violão muito bem, e nas festinhas ele cantava e eu declamava. Agora, se Deus quiser, meu segundo livro será um romance. Tenho tudo na cabeça. No dia em que eu parar, escrevo.
Quem vai se apresentar como chefe de Estado na cerimônia de abertura da Olimpíada?
Você se refere à eventual presença da presidente Dilma?
Isso.
Não me causa nenhum constrangimento.
Mas o senhor ficará na posição destinada ao presidente da República?
Suponho que sim. Eu sou o presidente em exercício. Mas, se pedirem que eu não vá, tudo bem, eu não vou. Mas vai soar estranho. Não tenho nenhum constrangimento. A regra é da boa educação pessoal e cívica.
O senhor recebeu o deputado Eduardo Cunha no Jaburu no domingo passado. É adequado?
Acho curioso. Quando eu recebia membros da oposição, isso era tido como traição no governo. Aqui você não pode conversar com certas pessoas. É o caso do Cunha. Mas, veja, ele é deputado, embora afastado é presidente da Câmara, é do meu partido, ficou muito tempo envolvido nas questões todas, e esteve comigo de fato aqui no domingo, veio conversar um pouco sobre o cenário político e a posição dele. Naturalmente, ele está angustiado. Muitos propõem que ele renuncie à presidência.
E o senhor, o que propõe?
Eu não dou muito palpite. É uma invasão nas questões mais íntimas dele. Mas, evidentemente, quando ele me contou isso, eu disse: "Você deveria meditar a esse respeito".
Há risco real de o Tribunal Superior Eleitoral impugnar a chapa Dilma-Temer?
Isso vai acabar com a decisão do impeachment. Se passar, é claro que a ação perde objeto, já que ela foi movida contra a presidente. A questão é saber se ela segue contra o vice-presidente. Pessoalmente, tenho defendido, e isso é um enfoque exclusivamente jurídico, a ideia de que o vice é uma figura institucionalmente apartada do presidente. É o que diz a Constituição. Depois, há a questão dos direitos individuais. Seria o primeiro caso em que a condenação de alguém repercute no outro. É como se você estivesse dirigindo um carro, tivesse um acidente, matasse alguém e a pessoa sentada ao lado também fosse condenada. Eu tenho essa visão jurídica. Se prosseguir o processo, tenho o dever de construir uma saída jurídica, que é o que farei.
Além da chapa, havia uma parceria PT-PMDB no escândalo da Petrobras.
O escândalo não é do partido, é de pessoas, pode acontecer. Se houve corrupção, foram pessoas que se corromperam. Não foi o PMDB que foi lá se corromper na Petrobras.
Era possível um esquema envolvendo tantos valores e políticos tão importantes operar sem o conhecimento do presidente do partido?
Claro, evidente. Eu não estou dizendo que tenham feito.
O senhor ainda tem dúvidas?
Estou dizendo que eu não tenho julgamento sobre isso.
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