ESTADÃO - 26/07
O ‘soft power’ deve estar fundado num ‘hard power’ que respalde o interesse do Brasil
No momento em que a crise econômica afunda o Brasil em grave recessão e desemprego, obrigando o governo de transição a reduzir os gastos públicos de forma drástica de modo a diminuir o tremendo desequilíbrio fiscal, todos os setores da administração pública são afetados. É essa a herança dos 13 anos de governo do PT.
Neste quadro conjuntural que se deve estender por alguns anos, torna-se ainda mais difícil de justificar recursos para um dos setores mais importantes para a manutenção da soberania e da segurança do País: aquele da Defesa, que detém apenas cerca de 1,5% do Orçamento Geral da União.
País pacífico, cuja Constituição advoga a solução negociada dos conflitos, a única guerra com vizinhos em que o Brasil se viu envolvido foi contra o Paraguai, em 1865. Todos os conflitos de fronteiras foram resolvidos em entendimentos bilaterais ou por arbitragem. Com esse pano de fundo, não é difícil de explicar a falta de uma forte cultura de Defesa, como nos EUA, na Rússia e na Europa. Os 21 anos de autoritarismo contribuíram, por outro lado, para as restrições à renovação do equipamento militar obsoleto pelo medo, talvez, de estimular o ressurgimento do poder militar no Brasil. Hoje conhecemos os nomes do juízes da Suprema Corte, mas, ao contrário do que ocorreu entre 1964 e 1984, não sabemos quem são os comandantes militares, apenas a identidade do ministro civil da Defesa.
A ausência dessa cultura de Defesa explica, em grande parte, as constantes reduções de recursos públicos para a manutenção da capacidade operacional das três forças. E isso não parece despertar nenhuma preocupação na sociedade quanto aos riscos para a proteção de nosso território terrestre (fronteiras) e marítimo (plataformas de exploração de petróleo) e para uma reação adequada às novas ameaças globais, como o tráfico de armas, de drogas, do terrorismo e da guerra cibernética.
O mundo se tornou mais complexo e ameaçador. O terrorismo exige recursos e atenção redobrada para tornar o País mais seguro. O Brasil não é uma ilha e não se pode esperar que sempre estaremos livres de atentados de facções terroristas ou do crime organizado.
Nos dias que correm, não só o reequipamento das Forças Armadas – seguidamente chamadas a desempenhar funções na área de segurança pública, como agora, nos Jogos Olímpicos –, mas programas essenciais para a defesa nacional tiveram recursos cortados. Entre outros, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que, com o atraso previsto pela falta de recursos, só estará finalizado em 2040; o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaaz); e o Programa Espacial Brasileiro. Este adiamento vem afetando toda a cadeia produtiva, com grande número de falências das empresas participantes e crescente taxa de desemprego no setor. Para ter ideia da gravidade da situação, a quase totalidade dos projetos que deveriam ser executados até 2021 foi postergada para 2031, quando a tecnologia utilizada já estará desatualizada e terá de ser substituída.
Segundo dados do Ministério da Defesa, a falta de recursos deixa 46% da frota da marinha parada, sem navios de escolta necessários para dar proteção às plataformas do pré-sal. No exército, os frequentes contingenciamentos exigiram a redução drástica da linha de produção do carro blindado Guarani, que poderá levar a empresa construtora do equipamento a suspender a produção por falta de pagamento. Na aeronáutica, quase metade da frota aérea está parada. A construção do avião cargueiro KC-390 só prossegue porque a Embraer, mesmo sem receber mais de R$ 1,5 bilhão devido pelo governo federal, está bancando o projeto sozinha, com o custo de atraso de dois anos.
Em breve, o governo brasileiro deverá atualizar a Estratégia Nacional de Defesa, o Plano Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa. Realista e pragmaticamente, esses documentos deverão enfrentar esses problemas e prever formas para melhor utilização dos recursos e previsibilidade na liberação do financiamento dos projetos mais estratégicos, pois não há uma percepção generalizada da necessidade da continuação desses programas de governo. Seria importante que a discussão desses documentos não ficasse restrita ao Ministério da Defesa, mas que o Congresso, por meio das Comissões de Relações Exteriores e Defesa (Cred) da Câmara dos Deputados e do Senado, além de instituições privadas interessadas no assunto pudessem participar do debate e contribuir para seu conteúdo. A Cred do Senado divulgou excelente relatório do senador Ricardo Ferraço sobre as políticas públicas relacionadas à indústria nacional de defesa, com recomendações que deveriam ser examinadas e debatidas. O Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (Irice) já programou para setembro um encontro em São Paulo para começar a discutir estes temas, que são de grande relevância para o Brasil.
A indústria brasileira de defesa, em especial a empresa estratégica, terá de se associar e formar joint ventures com empresas estrangeiras para ter acesso a novas tecnologias e financiamento, enquanto não houver avanço autóctone significativo em inovação e financiamento. Formas criativas terão de ser examinadas, como, entre outras, por exemplo, o desconto adiantado de títulos de recebimento de pagamentos do governo para haver disponibilidade imediata de recursos.
A recuperação da economia e a volta ao crescimento permitirão que a discussão sobre o papel das Forças Armadas na defesa de nosso território seja ampliada. Nenhum país pode se dar ao luxo de ignorar essa necessidade. O “soft power” representado pela ação do País no exterior, por meio de sua política externa, para ser efetivo, deve estar fundado num “hard power” que respalde o interesse nacional.
* RUBENS BARBOSA É DIRETOR ALTERNO DO CONDEFESA (FIESP), PRESIDENTE DO IRICE
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