FOLHA DE SP - 26/07
Algumas decisões de política econômica do governo interino são criticadas por, supostamente, refletirem uma prescrição tecnocrática do que deve ser adotado na economia, como se os argumentos da ciência pudessem substituir a política e a negociação. Talvez fosse assim na ditadura. Na democracia, felizmente, não mais.
Escolhas sociais não cabem à economia, mas à política.
A economia procura utilizar as melhores evidências disponíveis para estimar as consequências das diversas escolhas sociais. Em muitos casos, no entanto, a evidência não é conclusiva, o que resulta em debate sobre as opções técnicas para analisar os dados disponíveis.
Em outros casos, novas evidências podem implicar a revisão de antigos consensos.
A economia deve informar a evidência disponível e suas eventuais limitações para colaborar no debate público. Em nenhum momento, porém, substitui a política.
Não cabe à economia fazer juízo de valor. Dadas as diversas opções existentes, e as melhores estimativas sobre as implicações, a sociedade, por meio de seus instrumentos de deliberação democrática, deve negociar as escolhas sociais a serem adotadas, a partir das restrições e dos diversos interesses existentes.
Uma grave crise econômica, como a vivida pelo Brasil nos últimos anos, não decorre de um único fator. O problema mais urgente a ser enfrentado é o crescimento do gasto público acima da renda, que resulta no endividamento crescente do setor público.
As escolhas, na política, irão determinar se reverteremos a trajetória de endividamento crescente, o que resultaria no retorno da inflação crônica, como ocorreu na década de 1970, ou se optaremos pelo ajuste fiscal estrutural, como no fim da década de 1990. A evidência indica uma janela de oportunidade.
Há um compreensível alívio depois dos graves equívocos iniciados na política econômica em 2009, uma sequência desastrada apoiada por tantos, apesar dos indícios de que estávamos hipotecando o nosso futuro e contratando graves problemas à frente.
A economia aponta as possíveis escolhas que permitiriam a estabilização da dívida pública nos próximos anos, assim como as decisões que vão na contramão do ajuste. O gasto com folha de pagamentos e Previdência de servidores públicos é das principais causas da grave crise fiscal, sobretudo nos Estados e municípios. Aumentos a servidores que estão na elite salarial do país, como os do Judiciário, tendem a se propagar para outras categorias, inclusive nos governos locais.
Caso o governo opte pelo ajuste estrutural, diversas outras escolhas terão que ser feitas. Quais políticas públicas devem ser revistas e quais devem ser preservadas?
O papel da economia é oferecer a melhor evidência disponível sobre os custos e as implicações das diversas opções. Quais grupos são beneficiados por cada política pública?
Qual a eficiência e a eficácia em comparação a outras escolhas? Quais os benefícios sociais e os custos de oportunidade?
A política se beneficia, por exemplo, das estimativas das implicações de diversas opções de reforma tributária, assim como da análise de experiências em outros países.
Aproveitar a janela de oportunidade requer difíceis escolhas. O debate técnico sobre as restrições existentes e os impactos de diversas opções de política econômica busca contribuir na deliberação democrática, inclusive apontando as consequências do não enfrentamento da tendência de endividamento crescente por parte do setor público. A rejeição da divergência, porém, apenas revela velhos vícios.
MARCOS DE BARROS LISBOA, 51, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA) e presidente do Insper
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