O momento é de cair na real, mas isso é pouco para o tamanho do problema
O governo Temer começa a discutir medidas para garantir a retomada do crescimento, sinalizando que a política econômica não será o chamado “samba de uma nota só”, empacado no ajuste fiscal. Medidas destinadas principalmente, segundo as informações disponíveis, a desanuviar o chamado ambiente empresarial. Ao mesmo tempo, a equipe econômica avalia a necessidade de uma rodada de detalhamento do corte de gastos, com medo de que mesmo a elástica previsão de um déficit fiscal de R$ 170,5 bilhões não seja atingida neste ano, comprometendo sua credibilidade.
Do que virá para as áreas sociais, nessa mistura de “crescer com cortes”, pouco se sabe até agora. Mas é inegável que o governo está diante de uma situação no mínimo desafiadora.
O panorama observado na área de habitação é um bom indicativo. Sinônimo da política habitacional dos governos Lula e Dilma, o programa Minha Casa Minha Vida está fazendo água. Segundo reportagem publicada na edição de domingo do Estado, são mais de 50 mil unidades do Minha Casa com obras paradas em todo o País. E, se as faixas do programa destinadas aos mais pobres continuarem suspensas, a perspectiva é de que 1,3 milhão de empregos deixem de ser criados em três anos. Sem contar os efeitos negativos sobre o desempenho das construtoras que investiram pesado nesse segmento e agora terão de redirecionar suas atividades.
Na outra ponta do mercado, ou seja, na faixa de maior renda, as mudanças vão na direção contrária. A Caixa Econômica Federal, que responde por dois terços do crédito imobiliário no País, acaba de dobrar o teto do valor a ser financiado, de R$ 1,5 milhão para R$ 3 milhões. Aumentou também a parte que pode ser bancada pelas linhas de financiamento, tanto para unidades na faixa superior a R$ 750 mil (de 70% para 80%) como para imóveis usados (de 60% para 70%).
São dois lados do mesmo quadro. Não necessariamente resultantes da definição de uma nova política habitacional. A paralisia das obras do Minha Casa Minha Vida é consequência direta da falta de recursos. Simples assim. Foi o próprio governo Dilma que acelerou as contratações de moradias e, mais tarde, viu-se obrigado a suspender as linhas de financiamento dirigidas às famílias mais pobres.
O conselho curador do FGTS ainda está definindo as prioridades para 2017, mas já antecipa que o pacote de subsídios a fundo perdido para habitação, como os destinados ao Minha Casa, deverão ser inferiores ao deste ano.
Decisão empresarial. Quanto à guinada da Caixa em direção à classe média alta, é apresentada como uma típica decisão de natureza empresarial, com o objetivo de atender à demanda existente e, com isso, garantir à instituição maior participação no mercado e melhores resultados. Afinal, até pouco tempo atrás, a Caixa vinha sendo criticada justamente por dar prioridade às diretrizes políticas do governo, mesmo com o risco de sacrificar seu desempenho financeiro. Em outras palavras, sua atuação era considerada uma prova do uso político dos bancos públicos pelos governos petistas.
O momento, portanto, é de cair na real, desfazendo amarras e rompendo com artificialismos. Mas, embora necessário, isso parece pouco para o tamanho do problema. Espera-se, com essa “normalização” do mercado, não apenas a retomada, ainda que em ritmo mais lento, das contratações de moradias populares, como o próprio governo Temer vem prometendo, mas a formulação de uma nova política.
Convenhamos que um País que tem 6,1 milhões de famílias sem moradia digna não pode se dar ao luxo de deixar apenas nas mãos do mercado a solução para a crise habitacional.
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