Otto Lara Resende aceitou certa vez um emprego público em que deveria analisar documentos, emitir pareceres e redigir propostas. Ao tomar posse do cargo, foi logo estudando a papelada deixada em sua mesa pelo antecessor, abriu a máquina de escrever e começou a trabalhar. Um veterano funcionário da repartição, ao vê-lo datilografar em alta velocidade, comentou surpreso: "Oh! Tem redação própria!".
Ao ouvir os intermináveis pareceres, moções, atas, relatórios e contraditórios relativos ao impeachment de Dilma Rousseff, lidos por nossos senadores e deputados no Congresso e transmitidos pela TV, eu me pergunto quantos deles têm redação própria. Não que precisem disso — cada parlamentar tem a seu, digo nosso, soldo um exército de analistas e redatores prontos a pôr em letra de fôrma o apoio ou contestação ao menor inciso da Constituição, de acordo com sua conveniência partidária.
Sei bem que, entre eles, há pessoas preparadas e que talvez até dispensem ghost writers. Mas a maioria parece não saber redigir uma carta comercial ou um rol de roupa para a lavanderia – mesmo que se relevem os seus ii com uma bolinha em lugar de pingo. E quantos ali conseguirão tomar um ditado?
No item leitura, alguns parecem se inspirar no imortal Ronald Golias. Há dias, um senador foi chamado a ler um relatório. Era angustiante o contorcionismo a que isto o obrigava, formando as sílabas com a boca, movendo a cabeça e os olhos para mudar de linha e engalfinhando-se com as palavras acima de três sílabas. Para completar a agonia, o texto que o fizeram ler era um campo minado, cheio de referências a Montaigne e Montesquieu, intelectuais franceses cujos nomes nunca lhe tinham passado pelas oiças.
O atual Congresso é, em média, ginasiano — com todo respeito pelos nossos ginásios.
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