O Estado de S. Paulo - 20/05
O episódio da escolha do novo líder do governo na Câmara dos Deputados evidencia o alto preço político que o presidente em exercício Michel Temer está sendo obrigado a pagar para garantir a aprovação parlamentar das medidas, muitas delas impopulares, que precisa adotar para alcançar, com a urgência possível, resultados positivos no saneamento das contas públicas, no encaminhamento de reformas estruturais e na correção dos rumos da política econômica. Ao aceitar a indicação do deputado André Moura (PSC-SE) para a liderança do governo, imposta pelo chamado “centrão”, Temer tomou uma decisão difícil, porém indispensável para garantir apoio parlamentar. Certamente gastou uma parcela do crédito da opinião pública – um crédito por enquanto mais potencial do que real –, igualmente necessário para dar viabilidade a seu governo provisório.
Por detrás do “centrão” está a nefasta figura de Eduardo Cunha, de quem André Moura é fiel aliado. Não será, certamente, se curvando às imposições de políticos cujas práticas os brasileiros já deixaram claro que repudiam que Temer se tornará popular. Se por um lado assumiu a chefia do governo por causa da enorme rejeição dos brasileiros a Dilma Rousseff, por outro lado ele próprio não dispõe de apoio popular que corresponda à ampla desaprovação à presidente afastada.
Michel Temer está diante de alternativas no momento inconciliáveis: garantir o apoio parlamentar para a aprovação de medidas urgentes, indispensáveis e esperadas pela população, ou atender à expectativa de que se afaste de políticos de comportamento eticamente reprovável, como é o caso de boa parte dos integrantes do “centrão”. Esse grupo reúne mais da metade dos deputados federais, todos filiados a partidos em que compromissos programáticos são menos importantes do que mesquinhas vantagens políticas. Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara, é o símbolo perfeito desse perfil de “personagem da Lava Jato” que a opinião pública rejeita.
Michel Temer parece ter uma visão clara do dilema que o desafia, pois já declarou que não está preocupado em “ser popular” e se dará por satisfeito se conseguir “fazer bem” ao País, considerando as circunstâncias excepcionais em que assumiu a Presidência. Essas circunstâncias impõem agudo sentido de prioridade e urgência no ataque aos problemas fiscais e econômicos. Em entrevista à televisão, no domingo, afirmou o presidente em exercício: “Reconheço que não tenho essa inserção popular, que só ganharei ou terei se nosso governo trouxer um efeito benéfico para o País”.
Considerando, portanto, a inegável prioridade da aprovação parlamentar de medidas essenciais e urgentes que sinalizem o caminho a ser trilhado pelo governo interino, é razoável que Michel Temer se disponha a pagar o alto preço político de, por exemplo, aceitar como seu líder na Câmara um deputado que claramente não era o de sua preferência.
Mas tudo tem um limite. Se não dosar muito criteriosamente as concessões que tem de fazer para que o governo funcione, ele estará caindo na armadilha de pura e simplesmente soltar raposas no galinheiro. A política é a arte de aliar meios a fins, e a radicalização de posições, mesmo que inspirada pelos mais nobres valores morais, pode servir muito mais às forças do atraso, interessadas na manutenção dostatus quo, do que a quem acredita que o País precisa mudar para melhorar.
Dessa perspectiva, a missão do governo Temer é muito mais desafiadora do que a de apenas adotar as medidas necessárias ao resgate de uma administração federal que por absoluta inépcia chegou ao fundo do poço, levando consigo a economia e a qualidade de vida dos brasileiros. A empulhação voluntarista de uma “opção popular” de governo martelada na cabeça dos brasileiros durante mais de uma década revelou-se um retumbante fracasso na materialidade de seu projeto. Cabe ao governo provisório, se quiser merecer o reconhecimento dos brasileiros, enfrentar corajosamente – com as poucas armas que tem – esse monumental desastre que herdou. Entre as dificuldades com que está às voltas figura essa de tentar conciliar o aparentemente inconciliável.
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