O GLOBO - 03/05
Constatada a decadência de nossa democracia representativa, um fenômeno que não se restringe ao Brasil, mas que tem características próprias de nosso modelo político-eleitoral, quais soluções se apresentam para minorar os problemas que enfrentamos?
Parece haver uma confluência entre os especialistas sobre a inadequação de nosso sistema eleitoral, e a necessidade de haver uma contenção do número de partidos que possam integrar o Congresso. O voto proporcional levaria a distorções pelo voto de legenda e às coligações proporcionais.
O sociólogo Francisco Weffort crê que a grande influência na decadência da representação tem a ver com a permanência do sistema eleitoral de representação proporcional de voto com lista aberta. “Esse método tornou-se incapaz de funcionar adequadamente em um país como chegou a ser o Brasil, de enorme população eleitoral e de extraordinária diversidade regional”.
Nosso federalismo é extremamente desequilibrado, analisa Weffort. “Nas circunstâncias da lei atual, temos alguns deputados com muitos milhares de votos, em geral eleitos em grandes estados, e muitos outros com alguns poucos milhares de votos, eleitos em pequenos estados ou, mesmo em grandes estados, com as sobras ‘de legenda’”.
Tudo se complica, diz ele, quando se examina a representação no Senado, levando em conta que é igual o número de senadores por estado. E o que é pior, os senadores contam com suplentes que, sem votos próprios, esvaziam ainda mais o sentido da representação.
Weffort crê que seria preciso mudar o sistema eleitoral para voto distrital, “segundo o exemplo inglês ou, talvez melhor, o alemão”. Para os partidos haveria que admitir fórmula de barreira, pelo menos quanto à representação parlamentar, ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita na TV. “Seriam medidas no caminho de aproximar o representante dos seus representados e de diminuir os custos das campanhas”.
Weffort diz que o recall seria importante, e não descarta a possibilidade do voto distrital, que sugere o sistema parlamentarista, com presidencialismo ao estilo americano ou com as mudanças do estilo francês.
O cientista político Nelson Paes Leme chama de “absurdo” o modelo de eleição que adotamos, tanto no voto proporcional para a Câmara quanto no majoritário no Senado, e os vê como os mais diretos e imediatos motivos dessa baixíssima qualidade. “No voto proporcional, temos a aberração do voto de legenda”, analisa ele. Mas há outros tumores localizados, ressalta, como a pluralidade “absurda e incontrolável de legendas inideológicas e aprogramáticas por natureza e essência”.
Ele culpa também os subsídios partidários obrigatórios, como a lei da propaganda eleitoral. No voto majoritário, cita “a aberração extra desses suplentes familiares, esposas, filhas, filhos e irmãos, que assumem cadeiras estaduais importantíssimas na Câmara Alta sem terem tido um único voto, consolidando uma representação primitiva, hereditária e feudal”.
Também o critério de representantes por unidade no Senado é totalmente distorcido do princípio de freios e contrapesos, diz ele. Mas talvez o pior de todos os problemas, na opinião de Paes Leme, seja a distância dos eleitos em face do eleitorado que os elegeu por esse sistema em país continental como o nosso.
“Distância física e política, porque a não existência do distrito federado e do voto distrital misto, como na maioria dos países europeus e no Japão, ou das exaustivas prévias regionais norte-americanas, faz com que o representante seja um solene desconhecido, um quase estranho para o eleitor que muito raramente tem a oportunidade de sequer apertar-lhe a mão, mesmo em raras campanhas quadrienais, do seu eleitorado”.
O cientista político Jairo Nicolau, especialista em sistemas eleitorais, chama a atenção para dados específicos de pesquisas de comportamento do eleitor, que certamente refletem esses problemas. “Poucas semanas após as eleições, metade dos eleitores já não lembrava como tinha votado para deputado federal ou estadual. Esses números são bem maiores do que o dos que esquecem a escolha para governador e presidente”.
Outro tópico é a relação entre preferência por um partido e voto para deputado federal e estadual. O número total de eleitores que votam na mesma sigla que preferem é de cerca de 5% para os 2 cargos. A convergência entre voto para deputado federal e voto para presidente é de cerca de 25% do eleitorado total, isto é, cerca de 1/3 dos eleitores fez escolhas incongruentes, votou em candidatos para deputado federal de siglas que não compunham a coligação presidencial.
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