ESTADÃO - 19/04
Ou a ainda presidente Dilma Rousseff foi mal assessorada ou foi teimosa, ao fazer o pronunciamento de ontem, seguido de perguntas de jornalistas, sem tomar antes alguns cuidados essenciais. Ela precisava ter assumido um tom mais solene e mais compatível com o momento, além de só falar se, pura e simplesmente, tivesse o que dizer. Para ficar no mais do mesmo, era preferível ficar calada e divulgar uma nota escrita à nação.
Afora alguns engasgos, demonstrando uma natural tensão, ou emoção, Dilma falou como se fosse apenas mais uma entrevista coletiva de rotina, como se tudo estivesse na maior normalidade no Planalto e ela não estivesse caminhando para o cadafalso do Senado em três semanas. É esse o seu prazo na presidência, até ser afastada, por maioria simples dos senadores, para aguardar em casa e sem função o julgamento do mérito do impeachment.
Assim, ela repetiu exatamente tudo o que vem falando desde o primeiro minuto. Para quem ainda não sabe de cor, eis um resumo: que ela é “injustiçada” e está “indignada”, que foi torturada na ditadura militar e tem forças para resistir, que não houve crime de responsabilidade, que o processo de votação do pedido de impeachment na Câmara, com direito a defesa e transmitido ao vivo pela TV, foi um “golpe de Estado”.
Mais uma vez, como em todos esses meses, Dilma não reconheceu um único erro, nem mesmo na economia que ela destruiu – o que permeou todo o debate nacional e congressual até o resultado de domingo. Segundo a presidente, a culpa foi das chamadas “pautas-bomba” num momento de... crise fiscal. Sim, senhora, mas quem criou a crise fiscal, aprofundada drasticamente no ano da sua reeleição?
Além disso, faltou a Dilma pôr o dedo numa ferida: na origem das suas dificuldades para aprovar qualquer ajuste no Congresso estava o PT. Entre o seu governo e as suas bases, o partido da presidente optou pelas bases. E, se nem o PT votava, por que os demais partidos aliados ao Planalto votariam? De um líder peemedebista na época: “O PT tira o time e fica de bonzinho para os eleitores, enquanto o PMDB aprova e passa de malvado?”
O PT, aliás, já reuniu a bancada na Câmara ontem, em Brasília, e reúne sua cúpula hoje, em São Paulo. Essas reuniões são cheias de mágoas e de indignação, com ataques irados ao deputado Eduardo Cunha e críticas justas aos aliados que pularam do barco. Mas, cá entre nós, o que menos se ouve nelas é a defesa enfática, emocionada, de Dilma Rousseff. O partido fez o que fez, mas atribui 90% da desgraça à própria Dilma.
Enquanto ela encena a presidente, apesar de ser virtualmente ex-presidente, o PT trata de reunir os cacos e restaurar o partido para as eleições municipais, para a oposição e para o futuro, com o discurso de que, sim, houve desvios e houve petistas envolvidos em corrupção, mas isso não significa que o PT seja o partido mais corrupto do planeta – muito menos na comparação com o PMDB do vice Michel Temer.
Dilma fala em “um grande rearranjo”, em “um outro governo” e em “construir um novo caminho”, o que soa distante da realidade e resvala para a ficção. Além de ser muito difícil o Senado não votar pela admissibilidade do processo de impeachment e pelo consequente afastamento em meados de maio, há ainda uma questão prática: como falar em “rearranjo” do governo? Só com PT, PC do B, PDT e PR? (O PSOL votou contra o impeachment, mas não é nem tende a ser base do governo).
Amanhã, o Supremo Tribunal Federal vai julgar se Lula poderá ou não assumir de fato a chefia da Casa Civil de Dilma, ou seja, se Lula será quase tão fugaz, tão passageiro, quanto aquele ministro da Justiça que não resistiu nem uma semana no cargo. E, assim, “la nave” e o governo Dilma vão, enquanto Michel Temer já monta o ministério.
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