O GLOBO - 19/04
A presidente Dilma assumiu ontem formalmente a tese do golpe parlamentar que o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, vem defendendo temerariamente há algum tempo. Se na boca de Cardozo essa afirmação já era potencialmente perigosa, na da presidente transforma-se em ameaça à democracia. De instrumento da política partidária, passa a ser acusação oficial do governo.
É surpreendente que um pronunciamento de mais de 70% da Câmara, num processo que está todo controlado e avalizado pelo Supremo, possa ser acusado oficialmente de golpista.
A partir da decisão da Câmara sobre a admissibilidade do processo, passou a ser vocalizado pelas autoridades que se arrogam a defesa da democracia, mas que, agindo assim, estão atacando o estado democrático de direito e incentivando a desobediência às decisões institucionais que lhes são desfavoráveis.
Cardozo, que se saíra bem na defesa da presidente Dilma na primeira aparição da comissão do impeachment, perdeu o norte e chegou ao cúmulo na madrugada da decisão da Câmara, quando, num surto semelhante ao da advogada Janaína Paschoal na defesa do impeachment na manifestação das Arcadas no Largo de São Francisco, classificou de golpe a decisão soberana da Câmara.
Sua atuação em defesa da presidente Dilma, por sinal, é bastante controversa, e está causando incômodo na Associação Nacional dos Advogados da União, cujo presidente, Bruno Fortes, estuda medidas legais para impor limites a ela.
Segundo ele, “há limites para o uso dos advogados públicos pelos governantes, pois não se pode subverter a ordem jurídica nem as instituições”. Segundo o presidente da Anauni, a Portaria 13/2015, da própria Consultoria Geral da União, tratou expressamente do uso dos serviços do advogado-geral da União pelo presidente da República, exigindo que a solicitação preencha uma série de requisitos para ser atendida, destacando-se o interesse público do ato impugnado.
Afirma Fortes, porém, que “não há interesse público algum na defesa das ‘pedaladas,’ dos decretos ilegais e do crime de responsabilidade imputado à presidente”. Para ele, “o advogado-geral deveria ostentar posição isenta e imparcial neste processo, jamais assumindo postura partidária ou política em favor do governante”.
O presidente da Anauni sustenta a necessidade de uma clara vinculação da advocacia da União ao interesse público, jamais ao interesse privado do sujeito beneficiário. Diz ele: “Os advogados da União não são defensores dos governantes, pois isso equivaleria a um amesquinhamento dos serviços públicos, incompatível com o princípio republicano”.
No caso do impeachment, a reclamação dos seus pares é que estamos assistindo, no Congresso, a um advogado geral da União que se assemelha a um criminalista contratado por Dilma, o que não é correto. Pior que isso, veem Cardozo se comportando como verdadeiro advogado do PT, alinhando-se com diretrizes do partido em defesa das “pedaladas fiscais”, dos decretos ilegais e, sobretudo, dos interesses privados da presidente acusada de crimes de responsabilidade.
Especialistas afirmam que os requisitos previstos para o uso do AGU para defesa de agentes públicos são rigorosos e merecem interpretação restritiva, em obediência ao art. 37 da Constituição, que trata dos princípios, entre outros, “da legalidade e impessoalidade” da administração pública, e à Lei 8.429/92. Também a Lei do Impeachment não prevê a possibilidade de o Estado atuar em defesa de um presidente da República, ou de qualquer agente público ali arrolado. A lei supõe que o denunciado contará com advogados próprios e privados, e foi assim no caso Collor.
O impeachment é um palco apropriado para advogados privados atuarem em nome da presidente da República, não para o advogado-geral da União assumir tal incumbência e valer-se de toda sua estrutura, como ocorreu no pronunciamento público logo após o julgamento da Câmara, criticam os membros da Anauni.
O que transparece dessa atuação é o uso da máquina administrativa e seu desvirtuamento, prática corriqueira no PT. O advogado-geral da União, assim procedendo, rebaixa o status da própria função, o que está causando indignação na Associação Nacional dos Advogados da União.
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