Projeto de lei (PL) que tramita no Congresso permite, numa só tacada, o funcionamento de cassinos, bingos, até mesmo por vídeo, jogos eletrônicos e, por que não, o jogo do bicho, além das loterias já exploradas pelo governo. O governo Dilma anunciou que quer aprová-lo. A defesa dos supostos benefícios da medida, sem considerar custos, é ilustrativa da maneira apressada como se discutem políticas públicas em nosso país.
Quais os argumentos a favor da liberação geral dos jogos de azar? Primeiro, ela permitiria o controle daquilo que hoje corre solto na clandestinidade. Segundo, quem vai jogar no exterior ficaria por aqui. Terceiro, atividades acessórias ao jogo expandiriam empregos e impostos para os três níveis de governo. Quarto, o turismo interno e de estrangeiros bombaria. Por último, seriam fortalecidas políticas regionais de desenvolvimento.
O primeiro argumento é equivocado. A descriminalização sempre aumenta o consumo do que era proibido. Isso vale tanto para as drogas quanto para os jogos. Se estes já são um problema hoje, imaginem as proporções que assumiriam se o Executivo, nos termos desse projeto de lei, viesse a credenciar até 35 cassinos no País, no mínimo, um por Estado. Vou abordar mais de perto esta que é a mais emblemática das modalidades de exploração do jogo.
A fim de supostamente limitar a instalação de cassinos, o PL prevê que cada um seja acoplado a uma espécie de shopping center com serviços de hotelaria. Alguém duvida, no entanto, que às vésperas de votação importante no Congresso (nem precisa ser impeachment...) o governo acabaria cedendo à pressão de bancadas para autorizar mais este ou aquele cassino?
Quanto aos empregos, cabe a pergunta: de onde viria a receita dos cassinos? Evidentemente, do bolso dos jogadores, principalmente da classe média para baixo. Não haveria riqueza nova, apenas o desvio da renda já existente. As pessoas deixariam de gastar em outras coisas para perder seu dinheiro nas roletas e nos caça-níqueis. Ou seja, empregos gerados pelo jogo eliminariam outros, vinculados a outras atividades. O bem-estar das famílias dos jogadores diminuiria, assim como seu consumo e seus investimentos em saúde, educação ou na compra da casa própria. Perderiam as famílias e o País como um todo. Fato comprovado: a introdução dos cassinos em Atlantic City – que só perde em jogatina para Las Vegas – reduziu em 25% os empregos nos demais setores. Apenas em 1995 Illinois perdeu U$ 287 milhões no balanço de benefícios e malefícios econômicos causados pelos cassinos.
Quanto ao turismo, vamos ser francos: algum ricaço brasileiro vai deixar de perder dinheiro em Montecarlo ou Las Vegas para se expor a fiscais da Receita e concidadãos xeretas com suas câmeras nos cassinos verde-amarelos? E por que um ricaço estrangeiro trocaria sua rota de jogo do Hemisfério Norte pela que vai do Oiapoque ao Chuí?
Quanto às divisas, também não cabe ilusão: o jogo geraria déficits significativos. O setor é intensivo em importação de equipamentos especializados. Além disso, tenderia a ser controlado por estrangeiros. As promessas de receitas abundantes – e ilusórias – passam ao largo das despesas e perdas reais que o jogo vai provocar.
Embora o PL vede benefícios fiscais, é evidente que eles ocorrerão. Primeiro, porque há normas vigentes que criam essa possibilidade – até na Constituição, como no caso dos fundos regionais de desenvolvimento. Segundo, porque benefícios podem ser camuflados em concessões de terrenos e ofertas de infraestrutura pelo poder público. Terceiro, por causa da regra sem exceção de que o Executivo sempre abre exceções em vésperas de votações importantes.
De mais a mais, as despesas com segurança crescerão, pois as atividades de jogo tendem a estimular o crime e a articulação de redes de narcotráfico e lavagem de dinheiro. No Estado de Wisconsin, os crimes aumentaram 6,7% após a abertura dos cassinos. Segundo o Instituto Americano de Seguros, 40% dos crimes de colarinho branco nos Estados Unidos têm raízes no jogo. Entre 1977, quando os cassinos foram autorizados a operar fora de Las Vegas, e 1996 as taxas de criminalidade nos Estados Unidos, para seis de sete tipos de crimes violentos, cresceram.
Além disso, o vício do jogo cria seus dependentes, tal como o álcool e as drogas, e a assistência à massa de jogadores compulsivos também drenaria recursos. Em Iowa, em 1995, 5,4% da população tinha algum problema mais sério com o jogo, número três vezes maior do que antes da abertura dos barcos cassinos na região. Em Las Vegas, 8% da população adulta também tem problemas ligados ao jogo – faltam ao serviço para jogar, gastam dinheiro do aluguel ou cometem algum tipo de fraude para prosseguir jogando. Em New Jersey, um serviço público telefônico recebeu, em 1996, 26 mil chamadas de jogadores desesperados por dívidas. Atrás dessas dívidas vêm perda de produtividade e desfalques. Muitos jogadores param de pagar impostos. Em 1990, esses efeitos provocaram prejuízos de US$ 1,5 bilhão ao Estado de Maryland.
A essas evidências sobre os Estados Unidos se somam as inferências que podemos fazer com base na praxe das decisões públicas no Brasil. A permissão ampla, geral e irrestrita de jogos de azar exige um debate bem informado, que pondere cuidadosamente custos e benefícios. Se essa prática já é escassa entre nós, imagine-se o atropelo dos fatos e da lógica se uma decisão for tomada no atual ambiente de salve-se quem puder, com o governo Dilma e sua base acossados por depressão econômica, desemprego avassalador, retrocesso das políticas sociais, a começar pela saúde, pela insegurança em relação ao crime e pelos grandes escândalos administrativos. É procurar sarna pra se coçar.
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