FOLHA DE SP - 14/01
Começou nova fase no processo de internacionalização da Lava Jato. Dessa vez, o foco é a Argentina, principal parceiro internacional do Brasil.
Fernando Baiano relata suposta gambiarra ocorrida em 2006, quando da operação da Petrobras na Transener, maior companhia argentina de transporte de energia elétrica. A delação aponta para um esquema que vinculava autoridades brasileiras a Roberto Dromi e Julio de Vido, ministros fortes nos governos Menem e Kirchner.
Por sua vez, Nestor Cerveró delata suposta propina quando da compra em 2002 pela Petrobras da Pérez Companc, maior petrolífera independente do país vizinho. À época, a transação enfureceu parte do empresariado argentino, que viu capitais brasileiros abocanharem grandes empresas daquele país a preço de banana.
A atuação da Lava Jato fora das fronteiras não é coisa nova. Seus promotores já expediram coisa de 80 pedidos de assistência internacional para 28 países e territórios. Nada se compara, porém, ao drama inaugurado agora no relacionamento com a Argentina.
O problema é grave, pois as delações põem em xeque uma estratégia consagrada da política externa brasileira: a tentativa bem-sucedida de transformação do Brasil em grande credor, investidor, parceiro comercial e controlador de empresas na vizinhança.
Documentos oficiais hoje disponíveis para a pesquisa revelam ter sido essa uma estratégia consciente de sucessivos governo brasileiros desde FHC.
Em tese, o peso econômica do Brasil em seu entorno facilitaria a estabilidade regional. Telegramas secretos vazados pelo Wikileaks mostram que o governo americano comprou a ideia. Segundo a documentação, a regionalização do capitalismo brasileira ajudaria a evitar "ondas de populismo" na região.
Agora, Dilma e Macri podem fazer vista grossa às denúncias que explicitam os vínculos entre quadrilhas de ambos os países, uma sorte de integração regional nas sombras.
Ou podem tomar a dianteira e lançar uma iniciativa para-lamas com protocolos específicos para o combate à corrupção em âmbito bilateral e no contexto do Mercosul.
O volume de dinheiro envolvido nas relações bilaterais é tão grande – e o efeito da Lava Jato tão devastador – que os dois presidentes seriam capazes de, juntos, criar convergência de interesses públicos e privados pró-transparência.
Se não o fizerem, a iniciativa ficará por conta de promotores, juízes e policiais brasileiros que já têm utilizado a Lava Jato para fortalecer ou criar novas redes internacionais de cooperação contra o crime.
Tal processo será lento e tortuoso, podendo assistir a numerosos recuos antes de obter algum progresso. Mas o caminho está dado.
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