ESTADÃO - 22/01
O que acontece quando um governo populista quer agradar ao povo, sem preocupação com a origem e as limitações dos recursos disponíveis? Certamente, um desastre, pois em algum momento as contas não fecham. O desastre é ainda maior quando oferece mimos a grandes empresas. A atitude de agradar, tanto a um povo carente quanto aos empresários amigos – para preservar o poder –, acaba por desagradar a todos. Ou seja, torna-se obsoleta a velha e recorrente estratégia de “subir no caminhão” e falar o que agrada aos peões e, depois, na “sala da diretoria”, falar o que os patrões querem ouvir, pois não há mais o que oferecer para ficar bem com todos. Tal estratégia, como sempre, é boa enquanto mantém partidos populistas no poder e, na hora de fechar as contas, argumenta que liberais malvados querem tirar o que progressistas bonzinhos oferecem ao povo.
Essa é a triste sina de uma América Latina tão distante de Deus e do mundo adulto e tão incapaz de assumir a culpa por seus próprios desastres. Em vez de aproveitar seus ciclos de bonança com a exportação de grãos, minérios e petróleo para investir e modernizar suas infraestruturas e indústrias, prefere queimar os recursos obtidos com estímulos ao consumo e um assistencialismo que não incorpora efetivamente as pessoas à educação moderna e ao processo produtivo. Nenhuma economia se sustenta, em prazo mais longo, com base na ignorância, na exacerbação do consumo e em baixos níveis de investimento. Tentativas de breves ciclos de ajustes e correção de distorções nas contas públicas são sempre seguidas de longos ciclos de irresponsabilidade fiscal e devastação de fundamentos econômicos básicos. O velho fetiche de estimular o crescimento pelo aumento do consumo e “um pouquinho” de inflação se torna incontrolável e todos acabam sofrendo com a conjugação de inflação alta e crescimento baixo.
A nova matriz econômica do primeiro governo Dilma foi uma tentativa de dar sobrevida a algo que já se mostrava inviável no segundo governo Lula. Após um período de estabilidade da moeda, aumento do poder de compra, previsibilidade e confiança nos negócios, equilíbrio fiscal e ordenamento das contas públicas – proporcionado pelo Plano Real e mantido no primeiro governo Lula –, seguiu-se um movimento oposto, que desagregou todo o esforço anterior.
Essa desagregação comprometeu, inclusive, um processo continuado de melhoria na distribuição da renda, por causa da inflação. Afetou, ainda, a credibilidade internacional, em razão dos rebaixamentos nas avaliações de risco. Desnecessário acrescentar a óbvia deterioração do ambiente político, resultante da estratégia de poder baseada no princípio do “eu pago, eu mando”. Tanto a inevitável explosão de sucessivos escândalos de corrupção como a radicalização irresponsável do projeto de dominação do poder desfiguraram todo o comedimento e a antiga sabedoria de contornar crises políticas.
Inflação e desemprego de dois dígitos, com longa recessão e queda do PIB, são ingredientes que levam a graves crises políticas e ao desmonte das instituições de Estado. A história do País mostra isso desde a crise de 1929-32, passando pelas de 1954-56, 1960-62, 1980-82, 1990-92. Com exceção da de 1929 e, em parte, da de 1982, pelo forte impacto do fator externo, são recorrentes o abandono de cuidados com ajuste fiscal, ordenamento das contas públicas e controle da inflação, além da falência de modelos baseados no fetiche do desenvolvimento a qualquer preço e/ou exacerbação do consumo.
Como existe aquele outro fetiche de que a História se repete, primeiro como tragédia e, depois, como farsa, é bom atentar para o fato de que, ao contrário, no Brasil as tragédias se repetem monotonamente como decorrência de farsas. A repetição resulta tanto de erros trágicos do próprio fazer como da escassez de prudência, bom senso e comedimento. Erros e húbris sempre dissimulados pela farsa e o burlesco, como convém ao exuberante e irresponsável ambiente tropical...
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