ESTADÃO - 11/11
Nos tempos que correm há muita incerteza quanto ao que será necessário para que o País supere as crises em que está mergulhado. Há os que consideram prioritária a reversão da crise econômica e defendem a tese de que, se a economia voltar a crescer, a crise política será superada. Por outro lado, há os mais céticos – e provavelmente mais realistas – que enfatizam o papel central da crise política e reconhecem quão problemática é a superação dos obstáculos à sua solução. Há ampla justificativa para dúvidas sobre o que deve ser feito. Deveria haver menos dúvidas quanto ao que não se deve fazer.
A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principal órgão federal de financiamento à inovação, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, promoveu recentemente seminário intitulado Desenvolvimento produtivo e inovativo – Oportunidades e novas políticas. Aproveitou a oportunidade para comemorar os 85 anos da professora Maria da Conceição Tavares, que foi consultora da empresa no governo Geisel e no início do governo Figueiredo.
A professora aproveitou o ensejo para defender “voltar ao começo” como estratégia para o País, ou seja, voltar ao nacional-desenvolvimentismo, baseado na substituição de importações. O banzo foi completado pela menção à necessidade de uma frente de esquerda aliar-se a uma “fração da burguesia, por mais que não se goste dela”. É a volta à temática da burguesia nacional que ocupou tanto espaço no debate político meio século atrás.
É irônico que num seminário com ênfase em inovação tenha havido tão enfática peroração em defesa de uma estratégia tão vetusta, notória por sua resistência à absorção de inovações. É certo que a ênfase na substituição de importações funcionou como motor do desenvolvimento, especialmente a partir do fim da 2.ª Guerra Mundial. Mas deu mostras de esgotamento já no início da década de 1960 – como analisado pela própria professora – e, após ressurgência sob o regime militar, entrou em colapso na década de 1980.
Paralelamente, deteriorou-se a capacidade de gestão do Estado, outro pilar do modelo de desenvolvimento adotado no pós-guerra. A constatação dessas inadequações nos anos 80, em meio à estagnação combinada com hiperinflação, criou as condições para que prosperassem iniciativas que levaram à abertura da economia e à privatização de empresas controladas pelo Estado.
Poucos questionariam que o segundo mandato do presidente Lula e o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff foram marcados por gradativa restauração do nacional-desenvolvimentismo. O formato que marcou essa regressão a políticas que haviam fracassado no passado culminou na sistemática violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, combinada à concessão de favores fiscais seletivos que implicaram o retrocesso da abertura, a despeito dos compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil.
Trata-se de repetição das estripulias dos anos 50, sempre em nome do nacional-desenvolvimentismo. Já existiam pedaladas nos anos 50, com formato levemente diferente, mas com o mesmo objetivo: contornar limitações legais ao gasto público. Além disso, o mercado interno era quase completamente segregado do mercado internacional, com a tarifa de importação rondando os 150%. Nos anos Rousseff a tarifa de 35% foi praticamente dobrada pelo regime discriminatório do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) baseado em conteúdo nacional de partes e peças.
No mundo ideal, o objetivo deve ser a reforma política que supere o atual atoleiro. Na economia, será que queremos mais proteção, política macroeconômica macunaímica e Estado grande e corrupto?
A prioridade deve ser a recuperação da credibilidade do Estado como gestor, a volta a políticas macroeconômicas prudentes, o abandono do ranço autárquico e reformas tributária e previdenciária. Em suma, afastar os fantasmas do passado.
* Marcelo de Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de Cambridge. É professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio
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