FOLHA DE SP - 16/10
SÃO PAULO - São indefensáveis as liminares que o Judiciário vem concedendo que obrigam o Instituto de Química da USP de São Carlos a fornecer a pacientes de câncer uma droga que jamais teve sua segurança e eficácia atestada para humanos.
É claro que ninguém pode tirar de um doente o direito de buscar uma cura, mesmo que ilusória. Se a Justiça tivesse se limitado a derrubar barreiras burocráticas que impedem as pessoas de fabricar poções e importar medicamentos, mesmo que experimentais, estaria de parabéns.
Só que as liminares vão além de permitir que indivíduos, supostamente esclarecidos dos riscos que correm, exerçam sua liberdade. As decisões judiciais fazem com que o Estado patrocine uma terapia não comprovada e nela aloque escassos recursos públicos. Pior, o faz de maneira tão atabalhoada que será quase impossível extrair desse experimento, vá lá, natural qualquer informação relevante sobre a fosfoetanolamina, a droga em questão.
Mesmo que todos os pacientes que receberam o fármaco aleguem ter sido curados, sua eficácia não estará demonstrada. Para que isso ocorresse, seria necessário proceder a testes controlados. Seria preciso comparar o desfecho clínico de duas populações semelhantes, uma submetida à droga e a outra a um placebo ou a algum tratamento efetivo. Se os resultados do grupo que tomou a fosfoetanolamina fossem superiores aos do grupo controle, aí e apenas aí teríamos uma prova de que o medicamento funciona. Sem isso, é impossível descartar que a melhora alardeada por pacientes se deva ao efeito placebo e a outros fatores de confusão que contaminam a pesquisa médica.
Também é difícil de acreditar que se sabe há duas décadas que fosfoetanolamina é uma molécula de interesse médico, com possível ação anticâncer, e até hoje não tenha sido objeto de um ensaio com seres humanos. O episódio diz bastante a respeito da Justiça e da ciência no Brasil.
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