O GLOBO - 24/10
Ed Cunhado tornou-se o bandido mais procurado (pela mídia) e já declarou que não deixa a presidência nem morto. Quer ser enterrado debaixo de sua cadeira
Houve um tempo em que os pacatos e bem informados cidadãos de Braziville conheciam os mocinhos e os bandidos do condado, sabiam como separar o joio do trigo. Foi na reeleição da governadora que as cartas começaram a ser embaralhadas. Descobriu-se que Calamity Vana mentiu adoidado na campanha, iludindo os honestos e ingênuos eleitores, que a escolheram a mocinha de Braziville. Acrescente-se às tais mentiras as manobras ilegais — as ditas “galopadas” — que Calamity utilizou para anunciar ao povo que as contas do governo não poderiam estar melhores.
Os cidadãos de bem se reuniram na igreja e entenderam que, nessas condições, a governadora não deveria permanecer no cargo. O que fez então, Calamity? Convidou um banqueiro neoliberal para conduzir a diligência da economia. Com isso, aplacou a ira dos barões do gado, mas, em contrapartida, deixou os índios de sua tribo em pé de guerra. Não foram poucas as vezes em que o cacique Quatro Dedos foi ao jornalzinho local denunciar Calamity pela escolha de Joachim Levytrás. A mocinha de ontem tornou-se a decepção de hoje.
As pessoas, então, passaram a procurar pela cidade alguém confiável para o papel de mocinho. Logo, três nomes poderosos saltaram na frente, todos da maior tribo do condado, tribo essa que se notabilizou por reunir gente das mais diferentes correntes de ação e pensamento, vaqueiros, trapaceiros, ameríndios, garimpeiros, renegados e criminosos processados pela Justiça. Um saco de gatos, enfim, que oficialmente apoiou a reeleição de Calamity.
Por que não fazer de Michael Temeroso, vice de Calamity, o novo mocinho de Braziville? Temeroso era um cidadão educado e equilibrado, mas, reconhecidamente, sem gana para salvar uma cidade em conflito. Além do que, caso Calamity caísse, havia a possibilidade de ele cair junto. Pensou-se então em Ren Milheiros, presidente da Câmara Alta do condado. Milheiros, porém, tinha um currículo que mais parecia uma folha corrida, com cinco ou seis ações penais nas costas. Sua foto — com e sem cabelo — aparecia sempre na galeria dos bandidos da cidade e não seria de uma hora para outra que viraria mocinho.
Restou, dos três, o presidente da Câmara Baixa, Ed Cunhado, que abandonou o barco de Calamity — de quem era aliado — tão logo ele começou a fazer água. Ao ser eleito presidente, Cunhado entrou no saloon, ofereceu bebida para todos, e logo um monte de puxa-sacos o ergueu nos ombros, apontando-o como o verdadeiro mocinho de Braziville. Índios das mais variadas tribos, indiferentes ao passado obscuro de seu líder, não estavam nem aí para o fato de Cunhado ter sido citado na Operação Ferradura, que investiga a corrupção na Corrida do Ouro Negro. Diziam não haver provas concretas contra “o nosso John Wayne”.
O xerife Rod Yannot entrou em ação e botou as provas na mesa. Denunciou Ed Cunhado por manter um rebanho secreto no México, com mais de dez mil cabeças de gado, todos marcados com as iniciais “EC”. Ed reagiu dizendo que nem sabia onde ficava o México, mas perdeu parte de seus seguidores, que trataram de tirar seus cavalinhos da chuva (de denúncias). Riscado do mapa, Ed Cunhado tornou-se o bandido mais procurado (pela mídia) e já declarou que não deixa a presidência nem morto. Quer ser enterrado debaixo de sua cadeira.
Descartados os três nomes, os cidadãos do condado correram a procurar o mocinho do outro lado da cerca, na oposição. Acontece que a tribo da oposição, chefiada pelo cacique Aedes Snows, havia entregado sua alma ao diabo de Ed Cunhado. Aedes até admitia que Cunhado não fosse flor que se cheirasse, mas só iria deixar de cheirá-la depois que ele apeasse Calamity Vana do poder. Positivamente, não é o tipo de comportamento que se espera de um mocinho.
Abatida e confusa, a população admitiu que Braziville era uma cidade sem mocinhos, entregue à sanha dos bandoleiros. Até que alguém se lembrou de um jovem juiz que trabalha com seu grupo para trazer de volta a moralidade e os bons costumes. Renasciam as esperanças de Braziville ter seu mocinho! Quando, porém, uma comissão de cidadãos de bem selou seus cavalos para buscar o magistrado, um forasteiro chegou a galope, invadiu o saloon e anunciou que a tribo dos becas pretas iniciara um cerco a casa do juiz Morroy.
Era uma vez no Centro-Oeste...
Carlos Eduardo Novaes é escritor
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