O Globo - 13/10
Ele lavou US$ 444,6 milhões (ou R$ 1,7 bilhão), quase um terço já rastreado como propina em contratos da Petrobras. Tornou-se a sexta testemunha contra o presidente da Câmara
‘Sou réu confesso e colaborador” — anuncia, para não deixar dúvidas. Aos 40 anos, o bacharel em direito Leonardo Meirelles acumula uma condenação a cinco anos de prisão e variados processos.
Poucos lavaram tanto quanto ele: em apenas cinco anos (de 2009 a 2014), Meirelles comprovadamente retirou do Brasil e pulverizou no exterior US$ 444,6 milhões — o equivalente a R$ 1,7 bilhão. É dinheiro suficiente para se erguer um novo Maracanã.
Quase um terço (US$ 120 milhões, ou R$ 480 milhões) já tem origem rastreada: propinas pagas por fornecedores da Petrobras.
Foram 3.649 operações de lavagem a partir de seis empresas de fachada, três de informática e três de química-farmacêutica, todas lastreadas em contratos fraudulentos de exportação e importação — um atestado da vulnerabilidade das regras adotadas em 2006, na gestão do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Para ocultar a origem e distribuir o dinheiro em contas externas, indicadas por fornecedores da Petrobras e seus intermediários, como Alberto Youssef, ele cobrava 1% do valor.
Em seguida, levava o dinheiro da propina para um passeio por contas bancárias em duas dúzias de países: Suíça, China, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Itália, Bélgica, Espanha, Holanda, Liechtenstein, Índia, Hong Kong, Coreia, Malásia, Nova Zelândia, Formosa/Taiwan, Cingapura, Ucrânia, Angola, Costa Rica, Panamá, Paraguai e Uruguai.
Se alguém precisava pagar a um político no exterior, encomendava a Meirelles a transferência. Youssef registrava esse tipo de operação numa planilha intitulada “Band”, em franca alusão à palavra “bandido” (“Era uma brincadeira entre nós”), contou Rafael Ângulo, assessor de Youssef, ao juiz Sérgio Moro, em agosto.
Recentemente, Meirelles viajou com autorização judicial à Suíça, China, Hong Kong, Taiwan e Coreia do Sul. Coletou extratos e registros específicos de seus negócios emitidos pela Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (Swift), uma espécie de cooperativa mantida por duas centenas das maiores casas bancárias globais.
Voltou com uma pilha de papéis. Entre eles, demonstrativos da sua contribuição a Youssef e Julio Camargo, representante do grupo Samsung, na lavagem de propina supostamente paga ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por contratos de plataformas marítimas para a Petrobras.
Duas semanas atrás, na CPI, Meirelles ouviu o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) fazer a leitura de um trecho da denúncia da procuradoria contra o presidente da Câmara.
— O senhor tem conhecimento disso?
— Sim — respondeu Meirelles, monossilábico. Pressionado, acrescentou:
— Todos os extratos e as informações pertinentes já foram entregues e fazem parte de um acordo. Não posso responder por força disso.
— É colaboração premiada? — insistiu o deputado Aluisio Mendes (PSDC-MA).
— É. É colaboração premiada, sim — retrucou o homem que lavava propina para os “Band” de Youssef. Ele se tornou a sexta testemunha contra o presidente da Câmara.
O deputado Eduardo Cunha segue na autoimolação. Aparentemente, escolheu a opereta do impeachment de Dilma Rousseff como epílogo da própria tragicomédia.
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