sexta-feira, outubro 09, 2015

O general da presidente - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 09/10

"Se você não tem razão, Sílvio Costa é a solução." O deputado federal Esperidião Amin (PP-SC) tinha acabado de chegar ao restaurante no 10º andar do anexo 4 da Câmara dos Deputados quando avistou a mesa em que estava seu colega Sílvio Costa, deputado pelo PSC de Pernambuco e um dos vice-líderes do governo na Casa.

Ex-governador, ex-senador e ex-presidente nacional do seu partido, o deputado catarinense, reconhecido pela careca reluzente, é um dos melhores frasistas da Câmara. Discorda de quase tudo o que sai dos escaninhos do Palácio do Planalto, mas diz que Costa acabará por transformar Dilma em mártir e seus opositores, em vilões. "É o melhor general de brigada que ela podia ter aqui."

O deputado pernambucano já subiu à tribuna para dizer que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), "ditador metido a pastor", envergonha a Casa e o senador Aécio Neves é um "arengueiro de Ipanema". Em seus discursos, opositores de todos os naipes viram irresponsáveis, hipócritas, demagogos e mentirosos. Defende mais o governo e o PT do que quaisquer de seus deputados. Pelo conjunto da obra, recebeu o título de chefe da tropa de choque do governo.

Na véspera, sentado à primeira mesa a ser ocupada no Lake´s, restaurante do circuito parlamentar, ainda vazio naquela noite de segunda-feira, se disse incomodado pela fama: "Preferia que as pessoas me conhecessem pelo conteúdo".

Filho de um cortador de cana e de uma dona de casa, nascido em 1956 em Rio Formoso, na zona da mata sul de Pernambuco, Sílvio Serafim Costa tornou-se o mais aguerrido defensor dos governos petistas sem nunca ter militado em partido de esquerda.

Na largada, aceita a sugestão do sommelier, TintoNegro, de Mendonza, safra 2012 - "gosto de vinho, mas não sou enólogo" - e principia uma saga que remete ao repertório lulista. Da sina ("sou um filho das dores sociais") ao aperto fiscal: "As contas do governo são como as de padaria, tem que ter receita pra cobrir a despesa".

Mal começa a falar do pai, se emociona. Do canavial da usina Cucaú, da família do atual ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, a quem o deputado se ligaria décadas depois, Severino Serafim Costa saiu para montar uma venda. Terminou a vida com uma banca de abacaxi na feira de Santo Amaro, centro do Recife, com a qual custeava os estudos dos seis filhos.

Depois de passar três anos interno numa escola agrícola federal, no agreste do Estado, o mais velho deles entrou no curso de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Três meses depois, virou monitor de química e, no ano seguinte, professor do União, o cursinho mais famoso da cidade. Logo começaria a montar turmas avulsas para suas aulas de química. Largaria o curso de agronomia para ganhar dinheiro nas máquinas de preparação para vestibular. "Era um professor que andava de Del Rey", lembra-se, ao mencionar o carro mais luxuoso da Ford no início da década de 1980.

Já havia se passado uma hora e o jantar se resumia a um carpaccio de salmão de que não se servira. "Não estou com pressa. Não sei vocês, mas eu estou adorando."

No Brasil, todos os partidos são iguais, defendem mais educação, mais saúde, mais emprego. Precisei ser pragmático e fui para o PSC

Em 1986, dez anos depois de começar a dar aula em cursinho, montaria o próprio colégio. Hoje são cinco, com unidades no Recife e no interior. Administrados pelo economista Carlos, o segundo dos seus quatro filhos, os colégios foram sua primeira base eleitoral.

Até 1988, sua única experiência política havia sido em greves de professores. Mas naquele ano, Roberto Magalhães, então no PFL, tinha deixado o governo de Pernambuco e mandou o filho, aluno de Costa, sondá-lo sobre o interesse pela Câmara dos Vereadores. Teve ali sua primeira e única derrota eleitoral.

Na eleição seguinte, voltaria à carga, já em outro partido. Do início de sua carreira política até hoje, Sílvio Costa exerceu sete mandatos (três de vereador, dois de deputado estadual e três de federal) e foi filiado a sete legendas: PTB, PSDB, PSL, PSD, PMN, PTB e PSC. "Minha vida partidária é uma salada igual à de Ciro Gomes."

Com o introito "detesto paladinos da moralidade", que permeia todo o jantar, explica a última das mudanças - para o "partido do Sílvio Costa" - como decorrência de sua proximidade de Armando Monteiro, que foi candidato ao governo de Pernambuco, em 2014: "Eduardo [Campos] tinha montado uma coligação de 22 partidos para Paulo Câmara. Armando só tinha o partido dele [PTB] e o PT. E a gente precisava de tempo de televisão. No Brasil, todos os partidos são iguais, defendem mais educação, mais saúde, mais emprego. Precisei ser pragmático e fui para o PSC".

Sua prestação de contas ao TSE traz despesas de R$ 1,7 milhão, a sexta maior numa bancada de 24 deputados. O maior lote de doações, via repasse do diretório partidário, presidido por Costa, veio do Bradesco (R$ 305 mil).

O garçom traz os cardápios, mas o deputado devolve o dele sem olhar: "Me traz aquele frango". O prato, que não está no cardápio, é um frango na brasa com sal grosso, farofa de ovos e arroz com alho, cebola e azeitona.

Diz que aprendeu a cozinhar com Cinthia, a ex-aluna com quem se casou há 36 anos: "Todo prato regional eu sei fazer, até porque os temperos são basicamente os mesmos. Agora, tem um problema, eu gosto de cominho. Você não deve gostar. Não é chique. Esse povo rico tem horror a cominho. Sei fazer galinha à cabidela, que vocês chamam de galinha ao molho pardo, bife à caçarola, que vocês chamam bife de panela, e rabada".

A conversa envereda pela política pernambucana. Ele se levanta pela segunda vez no jantar para fumar, e, na volta, retoma exatamente de onde parou, a recomposição com antigos desafetos. "Fui muito duro com Jarbas, pode procurar na internet ´Sílvio Costa bate em Jarbas´. Hoje me arrependo."

Em 2009, o ex-governador, ex-senador e hoje deputado federal pelo PMDB chamou o Bolsa Família de maior programa oficial de compra de votos do mundo. A brandir papelada que dizia ser a comprovação do discurso, Sílvio Costa acusou o então senador de, na entressafra de seus mandatos políticos, ter se aposentado de cargo público apenas um ano depois de nomeado. "Quero saber qual é a moral, qual é a ética, que um parasita do poder, um homem que vive há 40 anos do dinheiro público, tem para criticar o Bolsa Família", disse Costa da tribuna da Câmara.

De Miguel Arraes, diz reconhecer a "contribuição para a democracia", mas discorda do modelo de um Estado "que pode tudo". Sobre o neto dele, morto no ano passado como candidato a presidente da República, prefere silenciar: "Ele não está aqui para se defender".

O pivô de seu rompimento com o então governador Eduardo Campos foi Sílvio Costa Filho, ex-secretário de Turismo do Estado e hoje deputado estadual de modos contidos, que em nada lembra os arroubos do pai. Seu afastamento, depois de denúncia de shows fantasmas, azedou de vez a relação com o grupo político hoje no poder, numa rota que tende a se aprofundar com as pretensões majoritárias de Costa (Senado) e do filho (prefeitura).

Sílvio Costa agradece a oportunidade de "esclarecer para o Brasil" a gestão do filho, que já foi avalizada pelo Tribunal de Contas, mas ainda peleja no ministério público: "A secretaria era repassadora de verbas das emendas dos deputados para as prefeituras. O Ministério do Turismo falhou na fiscalização. Queriam que meu filho demitisse o presidente da Empetur [autarquia subordinada à secretaria], um homem digno, e ele se recusou".

Tenho uma concepção de Estado, mas sei que faço política de uma forma inusitada. Paciência. Não se muda mais ninguém aos 58 anos

Sílvio Costa passa para o outro lado da vidraça sem alterar o tom de voz. Livrou-se de dois processos no Supremo. Um, por difamação, que havia sido movido pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), e outro, trabalhista, por falta de provas. "Você acha que, com esse meu estilo, se eu tivesse rabo de palha já não tinham tocado fogo há muito tempo?"

O ex-senador Pedro Taques (PSDB-MT), hoje governador do seu Estado, foi instado a acender o fósforo quando Sílvio Costa o enfrentou, em 2012, durante sessão da CPI do Cachoeira que ouviu o senador cassado Demóstenes Torres. Mais agressiva verve da oposição, o ex-senador do DEM acabaria sendo desmascarado como operador do empresário Carlinhos Cachoeira, mas optou por ficar calado na CPI, irritando Costa. Taques saiu em defesa do silêncio de Torres e foi atacado por Sílvio Costa: "Você quer proteger um homem que trabalhou contra o país, seu m..."

O deputado, que depois se desculparia com Taques, manteria a indignação diante dos paladinos da ética, mas passaria a ser mais vigilante com o calão. Em julho, dois dias depois de o PSDB fazer convenção inflamada pelo impeachment, Costa subiu à tribuna.

Foi do "assalto das elites" ao envolvimento de ministros do TCU na Lava-Jato. "O plenário fez silêncio. As verdades sobre a oposição de direita na Câmara vieram da pessoa mais inusitada e improvável, um deputado do PSC", escreveu o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), ao colocar o discurso em rede social com 1.113.799 compartilhamentos.

"Depois desse discurso, Lula me comparou àquele deputado que enfrentava Carlos Lacerda", lembra Sílvio Costa, numa referência a Danton Coelho, parlamentar do PTB gaúcho e líder da tropa de choque contra a UDN.

Hoje compartilha com a banda reeditada da UDN a admiração pelo juiz Sérgio Moro. "É um homem destemido. Está fazendo tudo certo. Quero que tudo quanto é bandido da Lava-Jato vá preso." Mas não arreda o pé de uma revisão da Lei da Ficha Limpa que condicione a perda de mandato ao julgamento em segunda instância - "Já se cassou mais prefeito na democracia que na ditadura". A proposta colide com as propostas de Moro para vedar as brechas de apelação do Judiciário.

Sílvio Costa alega sobrepeso, declina da sobremesa, mas insiste que repórter e fotógrafo provem da sua preferida, sorvete de coco com calda de goiabada. Pede um café antes de sair para fumar o terceiro cigarro da noite.

Vê a hora do jantar acabar sem expor seu conteúdo. Engata um discurso sobre o inchaço da máquina pública e vê lições numa Grécia "falida pelo corporativismo".

Diz que ninguém quer discutir reforma da Previdência porque não dá voto, mas, como ele não é homem de fugir à luta, foi relator do Funpresp. A iniciativa permitiu que o limite da Previdência do setor público se aproximasse daquele do setor privado e a remuneração extra ficasse condicionada à contribuição com o fundo.

Integrante do Conselho de Relações Superiores do Trabalho da Fiesp, orgulha-se de sua atuação no tema. "É só ir até a Comissão do Trabalho e perguntar o que o deputado Sílvio Costa faz por lá."

Admirador do economista José Pastore, fala com entusiasmo da "autonomia da vontade", conceito de fazer corar a sigla de duas letras que governou o país num passado recente: "Um cara te chama para trabalhar e te oferece R$ 10 mil, com direito a FGTS, férias e tudo. Só que você vai custar R$ 20 mil para a empresa. Aí o cara te propõe um negócio. Te paga R$ 12 mil para você abrir mão dos penduricalhos. Você tá respeitando a autonomia do cara. No Japão e nos países de Primeiro Mundo é assim, aqui não".

No dia seguinte, seria abordado a cada 5 metros dos corredores da Câmara por sindicalistas que tentavam derrubar os vetos da presidente ao reajuste doJudiciário. Amansa fora da tribuna. "Rapaz, vamos parar com isso." Aborda os parlamentares que encontra para perguntar quantos votos suas bancadas vão dar à derrubada dos vetos. Sai do elevador e comenta sobre um colega que havia acabado de encontrar: "Para você ver a qualidade do parlamento, o cara que nunca leu um livro hoje lidera uma bancada".

Diz que tem à cabeceira "As Veias Abertas da América Latina": "O cara [Eduardo Galeano] morreu e eu fiquei com vontade de comparar o romantismo daquela época com o de hoje. O Estado de lá com o de cá".

Põe Luiz Inácio Lula da Silva, Juscelino Kubitschek, Margaret Thatcher e Nelson Mandela no panteão de seus ídolos da política. Valeu-se do líder sul-africano num dos discursos de mais sucesso nas galerias, quando falou contra a redução da maioridade penal: "Ninguém nasce odiando, as pessoas aprendem a odiar. E, se aprendem a odiar, podem aprender a amar se tiverem educação. Vocês da bancada da inclusão carcerária estão surfando na onda da opinião pública, que já condenou Jesus Cristo, apoiou Hitler e a ditadura militar".

Sílvio Costa sobe à tribuna de mãos abanando: "Tem duas coisas na vida que você já começa perdendo. A primeira é ligação a cobrar e a outra coisa é discurso lido. Se for muito ruim, alguém vai dizer ´esse cara é tão incompetente que nem discurso lido ele sabe fazer´. Se for muito bom, vão dizer ´não foi ele quem fez´".

O deputado já está na segunda mesa com o Valor, o bufê de almoço do anexo 4. Serve-se de duas postas de salmão que ficam intocadas no prato. "Tá muito ruim isso aqui." Levanta-se, faz novo prato com linguiças e olha para a ficha que recebe diariamente de sua assessoria com a agenda. A de 29 de setembro traz o aniversariante do dia: Eduardo Cunha: "Ichi, vou ter que cumprimentar".

Coleciona discursos contra o presidente da Câmara, que costuma continuar a despachar enquanto o colega fala. "Não me interessa se vossa excelência vai prestar atenção ou não porque eu estou me lixando para vossa excelência", disse, em agosto, puxando as calças para cima, num discurso sobre o julgamento das contas do governo no TCU. "Vossa excelência vai se dar mal com este seu jeito petulante, arrogante e burro."

Naquele dia, aniversário do presidente da Câmara parecia ter enternecido Sílvio Costa: "Reconheço que ele é um sujeito preparado e inteligente, mas lhe falta sabedoria". À saída do restaurante, o deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ), da tropa de choque do presidente da Câmara, lhe grita: "Sílvio Costa, Eduardo Cunha te ama". O deputado responde de bate pronto: "A recíproca é verdadeira".

Ao longo dos 12 anos desde que o PT assumiu o poder, acostumou-se com as provocações. No fim de agosto, o blogueiro recifense Henrique Barbosa escreveu que Sílvio Costa fora vaiado em seu prédio por moradores que hostilizaram sua defesa do governo e se recusaram a dividir o elevador com o vizinho parlamentar. Costa nega a história e conta sua versão.

Na eleição presidencial do ano passado, um médico de seu prédio, no bairro do Espinheiro, teria dito aos zeladores que, se Dilma fosse reeleita, queria que um tarado estuprasse as filhas de todos os petistas. "Um dia, depois do segundo turno, vinha descendo, quando o elevador parou no andar desse vizinho e ele se recusou a entrar. Desci e pedi que o porteiro bloqueasse o portão. Fiquei esperando. Quando ele desceu, fui lá. ´O que o senhor tem contra mim? É porque eu defendo o governo do PT? Eu tenho uma filha, o senhor quer repetir o que o senhor disse aqui outro dia?´"

Descrito na Câmara como o tipo que dá boi e boiada para entrar numa briga e nela permanecer, Sílvio Costa prefere se definir como alguém que perde amigos para não desperdiçar piada.

Um dia, a deputada Erica Kokay (PT-DF) pediu sua ajuda para emplacar um projeto na Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo pastor da Assembleia de Deus Marco Feliciano (SP), deputado do seu partido. A militância LGBT da deputada atraíra a simpatia de Sílvio Costa, que tem uma irmã no movimento.

Ao pedir a palavra, o deputado foi contestado por não ser integrante daquela comissão. Depois de acalorada discussão sobre seu direito de falar com um Feliciano que se mantinha apaziguador, Costa bateu à mesa: "Senhor presidente, o problema dessa comissão é que tem um grupo de pastor de um lado e um grupo de gay do outro. E tem gente aqui acumulando".

A cena está gravada no vídeo da sessão do dia 10 de abril de 2013, disponível no site da Câmara, e vai virar história no livro que o deputado prepara, "Causos da Política". Tem 83 histórias compiladas, algumas delas já contadas à presidente da República. Quer misturar suas ideias para o Brasil com o anedotário da Câmara. "Tenho uma concepção de Estado, mas sei que faço política de uma forma inusitada. Paciência. Não se muda mais ninguém aos 58 anos. O homem é seu estilo."

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