O Estado de S. Paulo - 08/10
Não faz muito tempo, após o impeachment de Collor, o País vivia o day after em busca do que fazer com a hiperinflação que ainda campeava. Depois de várias tentativas fracassadas, as forças políticas batiam cabeça em busca de um novo arranjo de poder, sob o qual se alvejasse de verdade o problema da hiperinflação, trazendo novo alento à população.
Foi nesse contexto que a equipe econômica da época, temerosa de novo fracasso, teria cobrado do então ministro da Fazenda a definição de um programa fiscal de forte impacto, que faltara nas tentativas anteriores e que seria crucial para a sustentação de qualquer novo plano. Tendo saído há pouco tempo do governo, mas muito ligado ao dia a dia de Brasília, dediquei-me a imaginar qual deveria ser esse plano fiscal, nas difíceis condições daquele momento.
Formulei o diagnóstico básico do problema fiscal brasileiro que ainda hoje permanece válido. Só que, consciente das gigantescas dificuldades políticas da época, sugeri a criação de um mecanismo temporário que servisse de ponte para uma reforma fiscal definitiva, o Fundo Social de Emergência (FSE). Criado, como foi, por emenda constitucional, esse mecanismo simplesmente desamarrava, de qualquer "vinculação" específica, parcela de 20% de todas as receitas federais, permitindo o uso desses recursos para qualquer finalidade que se mostrasse imperiosa a cada momento, incluindo o pagamento de parte relevante do serviço da dívida, ou seja, o superávit primário. Dados a rigidez do gasto e o excesso de vinculações de receitas a várias finalidades, abria-se caminho para a reorientação do Orçamento na direção de um formato compatível com estabilidade econômica, enquanto se ganhava tempo para aprovar uma reforma ampla do gasto federal.
A discussão da longa história entre o sucesso inicial do Plano Real, viabilizado pelo FSE - cuja validade, a propósito, terá de ser prorrogada no fim deste ano -, e os difíceis momentos atuais, criados especialmente pelo governo atual, exigiria o espaço que esta coluna não tem. Só que nos colocaria, ao final, no dramático ponto a que chegamos, em que a hiperinflação estaria de novo à espreita.
E, para reforçar o risco de a hiperinflação voltar, há projeções de piora da situação fiscal, como as que fiz em estudo recente, com colegas, e que mostraram a perspectiva de os gastos com Previdência, assistência social e pessoal dobrarem em porcentagem do PIB até 2040.
Diante disso, começam a surgir novas ideias heterodoxas para a gestão macroeconômica, tipo nova "banda cambial". Ou, então, como ocorre com grupos que têm assessorado os últimos governos, aparecem as propostas de mais dos mesmos erros dos governos do PT, atribuindo a responsabilidade pela falta de solução à gestão da atual equipe da Fazenda, que surgiu na tentativa do segundo governo Dilma de finalmente começar a pôr ordem na casa fiscal.
Voltar a ter hiperinflação é sempre possível, mas é um absurdo que se considere essa possibilidade depois de tanto caminho percorrido na direção correta em matéria de gestão macroeconômica, como uma discussão mais detalhada da evolução recente mostraria. Em condições de partida muito melhores que as de 1993/1994, é preciso atacar de vez a rigidez do gasto, enviando ao Congresso as medidas de reforma que são hoje amplamente conhecidas. Como sua tramitação leva tempo e a economia não pode esperar, proponho ampliar o porcentual de desvinculação de receitas do FSE (hoje com o nome de DRU) de 20% para 50% e aprovar as medidas de ajuste recentemente enviadas pelo governo, a fim de restaurar a credibilidade e eliminar o risco de nova situação em que o problema fiscal "domina" tudo o mais.
Só que, em vez de fugir para a oposição, como parece ser o objetivo de muitos ligados ao principal partido no poder, é ele e seu governo que terão de pagar a conta de explicar os erros à sociedade e tentar reorganizar a base de sustentação política para aprovar as medidas requeridas para nos tirar do buraco atual.
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