No princípio, as “pedaladas fiscais” cometidas pelo governo Dilma nem sequer existiam. Era a linha inicial de defesa do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, mantida até a sessão do Tribunal de Contas da União (TCU) que avaliou as contas do Executivo federal de 2014, no início de outubro. “É artificioso achar que se trata de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse na ocasião, repetindo argumentos apresentados em outras ocasiões. Adams chegou até a criticar o termo “pedaladas”, seguindo a tradição petista de se ofender com meras descrições da realidade, como o uso de “mensalão” em vez do insosso “Ação Penal 470”, que ainda hoje é a designação preferida do petismo para o golpe elaborado por José Dirceu, José Genoino e outros colegas para comprar apoio parlamentar no primeiro governo Lula.
Com a apresentação de evidências avassaladoras das irregularidades e com a aprovação do parecer do TCU recomendando que o Congresso rejeite as contas de Dilma em 2014, o discurso predominante passou a ser o de que as “pedaladas” existiram, sim, mas foram necessárias para manter os programas sociais funcionando como um relógio. Sai o advogado-geral Adams e entra em cena outro Luís Inácio, o ex-presidente Lula, principal defensor da tese de que os fins justificam os meios. Já tratamos dessa ética peculiar do petismo dias atrás, neste mesmo espaço, mostrando que não apenas as “pedaladas” teriam sido desnecessárias se o dinheiro público fosse tratado com a devida lisura, mas também que seu principal uso nada tinha a ver com os programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.
Por fim, parece que o governo federal se rendeu (muito a contragosto, podemos concluir) à realidade, e deve enviar ao Congresso uma revisão da meta fiscal de 2015 que contemple uma “regularização das pedaladas”, com a devolução do passivo assumido pelo Tesouro Nacional com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES. O número total não foi fechado porque ainda falta a definição sobre quais passivos serão efetivamente levados em consideração. De qualquer modo, o objetivo de economizar 0,15% do PIB seria inevitavelmente transformado em déficit, que poderia variar de R$ 39 bilhões a R$ 76 bilhões, dependendo ainda do resultado do leilão de usinas hidrelétricas previsto para novembro – algumas receitas esperadas pelo governo já foram frustradas, como as provenientes de ofertas públicas de ações da Caixa Seguridade e, provavelmente, da IRB Resseguros. Na quinta-feira, dia 22, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, falou em déficit primário de R$ 50 bilhões, mas não confirmou se esse será o número informado oficialmente pelo governo ao Congresso.
O que está sendo tratado como um assunto puramente econômico também tem consequências políticas relevantes. Afinal, em outras palavras, o governo finalmente assumiu que cometeu irregularidades em 2014. A restituição do dinheiro tomado dos bancos estatais é uma obrigação de justiça; mas o Planalto não pode, em hipótese alguma, pretender que a regularização das “pedaladas” signifique que se está passando uma borracha sobre o ocorrido em 2014. O mal está feito, com todas as consequências que isso acarreta.
E o contribuinte que se cuide, pois, com a previsão de déficit primário se confirmando em 2015 e a já conhecida incapacidade do governo de cortar gastos de forma substancial – basta olhar a relutância da presidente Dilma em cortar meros 3 mil comissionados –, é praticamente certo que ressurgirá com ainda mais força o discurso de que novos aumentos na carga tributária são essenciais para colocar em ordem as contas do governo. Dias atrás, na Suécia, Dilma defendeu a ressurreição da CPMF mais uma vez. “O Brasil precisa aprovar a CPMF para que a gente tenha um ano de 2016 estável, do ponto de vista do reequilíbrio de nossas finanças (...) Nós acreditamos que a CPMF é crucial para o país voltar a crescer”, disse. O raciocínio é bem simples: o povo é que acabará pagando a conta das irregularidades cometidas pelo governo.
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