Apoiada pelos banqueiros, a presidente Dilma Rousseff apostou no caos e pagou para ver. Resta à sociedade pagante assistir ao espetáculo da vitória, que finalmente virá quando ela encher as burras de abonadas fichas, ou da derrota, que lhe venha a determinar sair de fininho, com uma mão na frente e outra atrás. Se o Congresso Nacional não representar seu eleitorado mais do que representa seus financiadores de campanha, e não socorrê-lo, só o impeachment não resolve, será preciso convocar eleições gerais. Nelas incluídos os governadores, se vierem a pedir a deputados e senadores para aumentar o sacrifício do eleitor assalariado, de forma que também arquem com o equilíbrio de suas incompetências governativas, como os aconselhou o governo federal, em jantar no Palácio da Alvorada.
Rosto contrito, voz baixa e monocórdica assoprada entre os dentes, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, levantou seu troféu à tardinha, na segunda-feira. Numa desfaçatez, reapresentou a cena do dinheiro carimbado, evoluindo da enganação da CPMF antes da saúde para, agora, da Previdência.
O novo imposto, a incidir sobre tudo o que se paga com um salário já corroído pela inflação e sem reajuste real, será destinado, segundo o ainda crível ministro da Fazenda, à aposentadoria dos idosos, aos seus remédios e seus cuidados. Só faltou falar, para melhorar a dramaturgia, nas fraldas geriátricas. Mas pronunciou o ministro a palavra mágica, politicamente incorreta, porém forte: inválidos. Quem vai negar dinheiro aos velhinhos inválidos? Foi o que o ministro pediu, praticamente mão estendida.
Para não restar dúvida, avisou em nome de quem falava ao cometer o que, em outra circunstância, poderia ser um ato falho, mas nessa caiu como cinismo: os bancos, que estão na linha de frente do esforço de manutenção da presidente Dilma no cargo e indicaram Joaquim Levy para remar esse barco. A federação de bancos foi a primeira entidade a apoiar a CPMF, de cuja elaboração participou. Os bancos garantiram, e Levy contou a vantagem aos seus ouvintes (a Febraban tem frequentado o Ministério da Fazenda tanto quanto o presidente do Bradesco e padrinho do ministro tem frequentado o Palácio) que estão "preparados". Podem recolher o imposto imediatamente, passar o dinheiro com celeridade ao governo, verba na veia. Se todos já conhecem a CPMF, como alegou o ministro ao dar ao imposto um tratamento carinhoso, e os bancos estão preparados, então viva! Os números não são nada, a questão é o enredo.
Por que será que todos riram quando o ministro anunciou o prazo provisório de quatro anos para a CPMF? E ainda disse que o próximo governo, se quiser, pode revogá-lo?
Mais do que apelar às agruras da velhice, o ministro repetiu às crianças desavisadas, por pelo menos dez vezes, que o imposto é de dois milésimos (0,2%), uma merreca - dois milésimos de uma entrada de cinema, de um sanduíche - os exemplos ministeriais foram todos supérfluos, nada de supermercado, da carne, do arroz com feijão, do ônibus, da farmácia. Quando virem que estão saindo de sua aposentadoria os caraminguás da CPMF, os anciãos se lembrarão da comoção do ministro e pagarão suas contas com satisfação.
Na Ópera Bufa da tarde de segunda, o ato do corte de despesas, que antecedeu o da criação do imposto, cronologia marqueteira, expôs menos o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que precisou de pouca mágica para mostrar que o governo não cortou despesa alguma. Não será tudo o mais o bode da sala para o governo conseguir ganhar a CPMF?
A cara emburrada do ministro poderia dar a impressão que ele estava contrariado com os "cortes", mas como esses não existiram, deve fazer parte da marcação.
O governo apenas pedalou de janeiro para agosto o reajuste do funcionalismo e remanejou receitas. Assim, deu o Orçamento por cortado. Pagou seu programa de construção de casas com dinheiro do FGTS e garfou os recursos das emendas parlamentares (cuja livre aplicação a Constituição havia liberado e tornado impositiva), para o PAC e para os programas do Ministério da Saúde. É como se a presidente Dilma pedisse ao seu vizinho para pagar a escola de seus filhos enquanto faz um superavit básico para o consumo de outras prioridades e alguns presentes.
Quem queria corte de gasto, perdeu. Quem queria aumento de imposto para continuar gastando, ganhou. Por dez a zero, um placar de conta simples.
E ainda é preciso ouvir o ex-jovem senador Lindbergh Faria, notabilizado pela condição de presidente da união dos estudantes, até hoje sem compromisso com a realidade, gritar contra Levy, porque está "cortando", numa tentativa de entrar no pastelão de qualquer maneira como algoz do ministro da Fazenda. Certamente acreditando que ele vai sucumbir, o que não é difícil, e o senador ficar dono do grande feito que deixará sem eco qualquer resultado da Operação Lava-Jato, na qual é um dos investigados.
A arrogância de Levy, porém, lhe tirou a condição de vítima há muito tempo. Na tentativa anterior de empurrar o pacote arrecadatório aos assalariados já havia, numa preparação de terreno de contenção das reações, chamado de míopes os que se rebelam contra "um pouquinho" de imposto. Será merecedor de tudo o que lhe disser o senador petista do Rio.
Dilma não quer cortes de gastos, não quer fechar ministérios, não quer economizar, não quer redimensionar programas. Tudo pela gastança. Então, viva!
É claro que os déficits vão dobrar, a presidente e os ministros não vão ficar competentes de uma hora para outra, mensalão e petrolão viraram método de governo, como diagnosticou com precisão o ministro do Supremo Gilmar Mendes, e será necessária uma outra CPMF ano que vem, mais uma em 2017, uma terceira em 2018. O problemão não teve solução. O governo negou à sociedade dois milésimos de respeito.
Entre viajar à Rússia com o velho amigo vice-presidente Michel Temer, para cumprir uma agenda que ela mesma turbinou com assuntos de sua área, e ficar no Brasil com a nova amiga presidente Dilma Rousseff, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, preferiu torcer o tornozelo. Não sem antes colocar na agenda que iria ao médico. Em 2007, a senadora Kátia segurou na principal alça do caixão da CPMF.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
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