O Estado de S. Paulo - 21/06
Há 50 anos, falecia Horácio Lafer. No correr dos seus 65 anos de vida, destacou-se em vários planos. No Parlamento, representando São Paulo como deputado federal e constituinte em 1934 e 1946. No Executivo, como valoroso ministro da Fazenda (1951-1953) do segundo governo Vargas e relevante chanceler (1959-1961) de JK. Na sociedade civil, como um dos líderes da industrialização do Brasil e, com Roberto Simonsen e José Ermírio de Moraes, fundador, em 1929, do Ciesp. Como empresário, conferiu renovadora escala à Klabin, fundada na década de 1890 por seu pai e tios, operosos imigrantes originários da comunidade judaica da Lituânia, tendo sido, neste âmbito, um dos condutores da internalização da cadeia produtiva de celulose e de papel no País.
Como estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, participou da Liga Nacionalista e de seu programa de defesa do voto secreto e da alfabetização dos operários. Nela identificou “a maior bandeira que a geração de 1910 e 1920 levantou da verdadeira Política, aquela que reunia homens em torno de grandes ideais a serviço da Pátria e não na ambição em busca de cargos”. O paraninfo de sua turma (1920) foi Rui Barbosa, que a ela dirigiu a Oração aos Moços. Como homem de inquietações filosóficas, foi o primeiro a discutir no Brasil, em livro de 1929, o significado de Dilthey, Simmel e Husserl, o que reverbera no seu discurso ao receber em 1951 o título de doutor honoris causa da USP, no qual destacou o papel da universidade, criada em 1934, para a cultura nacional.
Ulysses Guimarães – seu companheiro no PSD – observou, quando do seu falecimento: “Era um homem de inteligência política clara, precisa e realista”, “suave nos modos, no trato, mas uma personalidade forte, tenaz, inquebrantável, inflexível quando a serviço da sua causa, do seu partido, do seu Estado e do seu país”.
O estilo do seu proceder foi o do realismo trabalhado pela lógica e animado por uma vontade de atuar construtivamente sobre a realidade. Tinha uma visão do Estado e do País: a de um nacionalismo destituído de jacobinismo. Foi, como afirmou ao empossar-se na Fazenda em 1951, “um apaixonado otimista das possibilidades que farão do Brasil, a despeito das incompreensões e dificuldades, um dos maiores países do mundo”.
Assinalo, para realçar sua relevância, facetas atuais do seu legado. Na Constituinte de 1934, sustentou a importância de equilíbrio entre produção agrícola e industrial. Reiterou, na Câmara, essa visão em 1961, ao destacar o grande valor da indústria no adensamento do sistema produtivo e no seu impacto positivo para o tecido social. Numa época de desindustrialização, sua mensagem é uma pertinente advertência.
Sobre política econômica, disse ao assumir o Ministério da Fazenda: “Estou convencido de que sem boas finanças não há ordem nem moralidade e não me canso de repetir que a anarquia orçamentária, fruto da impaciência de realizar ou da generosidade de conceder, é um castigo que cedo ou tarde corta a carne do povo em geral desapercebido das funestas consequências que o atingirão amanhã... Detesto a inflação que dá a poucos a ilusão de que enriquecem, enquanto aniquila a economia dos lares de quase todos, criando o pauperismo, o mal-estar coletivo e a insatisfação geral”. Combateu com energia a inflação e batalhou pelo equilíbrio orçamentário – na linha atual da responsabilidade fiscal.
Não descurou do desenvolvimento e, ciente de que no âmbito do Estado este pressupõe “programa e organização” e para “evitar a improvisação, as soluções sem amanhã”, propôs o Plano Lafer para enfrentar os gargalos de infraestrutura (tema hoje da agenda do custo Brasil) e assim contribuir para a produtividade e a competitividade. Daí a importância que deu aos projetos da Comissão Mista Brasil-EUA. Aperfeiçoados pelo BNDE (que ele criou e foi capitalizado por um adicional do Imposto de Renda), eles foram o lastro do Programa de Metas de JK. Concebeu sua gestão como a combinação de uma fase Campos Salles de saneamento financeiro com uma fase Rodrigues Alves de iniciativas para o desenvolvimento. Não é necessária maior elaboração para realçar, neste momento, o significado da sua mensagem.
No Itamaraty, destaco seu papel no adensamento da diplomacia econômica. Concebeu e criou a Comissão de Coordenação de Política Econômica Exterior, uma antevisão da Camex. Dedicou-se à expansão e diversificação do comércio exterior por meio do incremento das exportações e da conquista de mercados potenciais, ou seja, a promoção comercial, para usar termos atuais. Nesse contexto, restabeleceu relações comerciais com a União Soviética. Identificou na integração econômica da América Latina um caminho para o desenvolvimento: daí o Tratado de Montevidéu, de 1960, que negociou e assinou para criar a Associação Latino-Americana de Livre Comércio.
Transformou a iniciativa da Operação Pan-Americana de JK em propostas específicas de políticas internacionais de desenvolvimento. Promoveu vigorosa política de aproximação com a Argentina, prenúncio da criação do Mercosul.
Como chanceler, realçou que “somente o império da lei e o pleno exercício da democracia no âmbito interno são capazes de assegurar para um país o respeito dos demais”, antecipação do significado da cláusula democrática e do papel do soft power. Conduziu o grande evento da diplomacia pública de JK, que foi a inauguração de Brasília.
Em síntese, no cinquentenário do falecimento de Horácio Lafer acredito – ainda que tenha, inevitavelmente, como dizia o padre Antônio Vieira, misturado na tinta de escrever as cores do meu afeto – que cabe resgatar da negligência do esquecimento um homem de visão, um servidor do Brasil e um batalhador do progresso nacional.
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