O Estado de S. Paulo - 14/06
A visita do ex-presidente do governo da Espanha Felipe González, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), a Caracas, para participar de reunião da Mesa da União Democrática (MUD), coalizão de oposição ao presidente chavista Nicolás Maduro, teve grande repercussão na Venezuela. E não podia ser diferente. Militante clandestino de seu partido na ditadura franquista, o líder socialista tornou-se internacionalmente conhecido nos 14 anos (de 1982 a 1996) em que, no poder, ajudou a consolidar a democracia espanhola, que resistira a tentativas de golpe no governo anterior.
A visita de González ocorreu num momento delicado para as autoridades venezuelanas, que mantêm na prisão os principais líderes oposicionistas – entre eles Leopoldo López, ex-prefeito de Chacao, na Grande Caracas, e derrotado por Maduro na eleição presidencial, e Antonio Ledezma, preso em seu gabinete de prefeito da capital. López foi preso sob a acusação de incitação à violência nas manifestações de rua de 2014 e Ledezma, por atuar no que o governo chama de tentativa de golpe contra Maduro. Apesar da proximidade entre os países hispano-americanos e a Espanha, da qual foram colônias, Felipe González foi recebido de forma desrespeitosa e até insultuosa pelo governo chavista.
Por se ter mostrado muito “preocupado” com a situação da Venezuela, González foi acusado por Maduro de pertencer a uma “conspiração para desqualificar o governo revolucionário” desde “o eixo Bogotá-Madri-Miami”. Em seu Twitter, o presidente venezuelano, nos xingamentos de praxe contra quem quer se lhe oponha ou apoie a oposição, escreveu: “A extrema direita que deu golpes de Estado na Venezuela pretende impor uma chantagem internacional para que seus crimes fiquem impunes”. No passado, de acordo com sua versão, “as oligarquias corruptas entregaram o país a máfias espanholas que saquearam a Venezuela e hoje o povo se faz respeitar”. Esta acusação ganhou eco nas redes sociais, nas quais a militância chavista é muito ativa. Alguns “hashtags” reprovaram a visita, tida como “ingerência na política nacional”.
Antes de chegar a Caracas, González fora declarado persona non grata pelo Parlamento venezuelano. E, já no país, teve seu pedido de assessorar a defesa de López – que, segundo a agência OperaMundi, vive numa cela de 5,5 metros quadrados com “cama, colchão, almofada, cobertor, geladeira, forno micro-ondas com decodificador de satélite, biblioteca, mesa e cadeiras” – rejeitado pela presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), Gladyz Gutiérrez, por não poder “exercer como profissional de Direito numa causa penal em território nacional”.
González respondeu às acusações de conspiração e aos insultos com firmeza e serenidade. Em entrevista coletiva, informou que acataria a decisão de não integrar a defesa de López. E, após ter visitado o ex-prefeito Ledezma, mantido em prisão domiciliar desde que teve operada uma hérnia abdominal, em 26 de abril, disse: “Finalmente, com a autorização, tivemos um encontro muito gratificante e cordial. Tanto o prefeito Ledezma como eu acreditamos que à Venezuela falta diálogo para resolver os problemas, mas já há um compromisso do presidente Maduro de convocar eleições legislativas. É preciso dialogar, recompor, reconciliar e reconstruir instituições”.
O cientista político argentino Juan Manuel Karg, simpatizante dos bolivarianos, reagiu à declaração com ironia: “González chegou a Caracas para contar a mais de 20 meios de comunicação que na Venezuela há liberdade de imprensa”.
Ironias à parte, com tom firme, mas cordial, o ex-presidente do governo espanhol cumpriu a missão que se impôs de fazer esforços internacionais para que a crise venezuelana seja superada, embora reconheça que esta seja uma tarefa difícil. Só com isso já fez mais do que o governo brasileiro, que tem forte influência sobre o país vizinho, mas, para não ferir suscetibilidades do parceiro chavista, nada tem feito de construtivo em favor da liberdade dos venezuelanos.
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