O ESTADO DE S. PAULO - 31/05
Vivemos uma conjuntura política ímpar. Cinco meses após a presidente reeleita tomar posse novamente do cargo, sua figura se apaga, enquanto o vice-presidente e o ministro da Fazenda ganham ares de primeiros-ministros. Acontece que legalmente a primeira mandatária continua a ser a presidente. Embora só o ministro da Fazenda seja demissível, ambos detêm poder a título precário, condicionado ao desempenho nas tarefas de organizar a maioria governista no Congresso e recriar a perspectiva de melhora da economia, respectivamente. O desempenho de um depende do desempenho do outro. Se a já precária maioria governista no Congresso desandar, adeus retomada do crescimento. Se a esperança de retomada do crescimento desaparecer, a maioria política governista seguirá o mesmo caminho.
Depois de quase naufragar na partida, a nau governista pôs-se em movimento e venceu algumas batalhas na luta pelo ajuste fiscal, mas a guerra das expectativas será longa. Na política, jamais se viu um Congresso que abrigasse tantos partidos – problema que se deve agravar com a reforma política virtualmente aprovada na Câmara – e tamanho desejo de desafiar o Executivo, hoje mais fraco do que nunca antes na História recente deste país. Na economia, a passagem do ajuste à retomada do crescimento será mais difícil do que foi no início do segundo mandato de FHC e no primeiro de Lula, pela combinação de desarranjos internos e circunstâncias externas não favoráveis.
A incerteza no cenário nacional é agravada pelo desdobramento imprevisível de um processo judicial que alcança empresas líderes no setor de infraestrutura e construção pesada, partidos e lideranças que compuseram o núcleo do bloco político construído nos governos Lula. A implosão desse bloco, em pleno andamento, deixará mortos e feridos. Resta ainda saber qual a extensão dos danos e sua distribuição entre os atores que protagonizaram o ciclo político e econômico que agora se encerra estrepitosamente.
As incertezas sobre os resultados do processo judicial não se dissiparão tão cedo. Se os inquéritos sob a jurisdição do juiz Sergio Moro avançam com rapidez, bem mais lento é o ritmo dos trabalhos nos domínios da Procuradoria-Geral da República, onde se encontram sob investigação nada menos que os presidentes da Câmara e do Senado, além de outros 43 parlamentares da atual legislatura, número que pode crescer com novas delações premiadas. Se os acordos de leniência de empreiteiras com a CGU parecem mais próximos, o Ministério Público já deixou claro que não deixará de contestá-los. Dentro do bloco governista, em particular no PT, a insegurança é ampla, geral e irrestrita. Também para a oposição o futuro é incerto, porque a implosão do lulopetismo mudou a combinação de gases na atmosfera política do País, mais volátil do que nunca antes nos últimos 20 anos.
Falar que há muita incerteza no cenário nacional é dizer o óbvio. Menos óbvio é notar que as instituições políticas e jurídicas têm conseguido resguardar o País de um naufrágio econômico e de uma crise institucional. Na conjuntura atípica, os atores até aqui se têm movido dentro dos limites constitucionais vigentes e segundo o aprendizado feito pelo País desde o Plano Real. Esse aprendizado se resume, simplificadamente, a uma lição singela: precisamos de estabilidade política para ter estabilidade econômica e vice-versa. E sem uma e outra coisa não haverá crescimento. Nem que a vaca tussa.
Com suas regras escritas e não escritas, o software institucional que tem assegurado razoável estabilidade política e econômica ao País nos últimos 20 anos, com seus pesos e contrapesos, tem passado – vale repetir, até aqui – pelo teste de estresse a que está submetido.
A própria presidente demorou, mas entendeu que não poderia continuar em rota de colisão com o Congresso. O Legislativo não perde a oportunidade para exercer em grau inédito a independência que a Constituição lhe atribui, mas não age para tornar inviáveis as ações do Executivo.
A credibilidade do Banco Central e do regime de metas de inflação recupera seu antigo vigor, porque a sociedade e mesmo os políticos, afinal, sabem que no Brasil quem brinca com a inflação acaba queimado. O TCU se fortalece como órgão de controle, apontando infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no primeiro mandato de Dilma Rousseff, no caso das notórias "pedaladas fiscais". O governo contesta a interpretação do tribunal, mas não põe em xeque sua competência legal para proceder à acusação, muito menos questiona a validade da LRF.
Furiosos com a inclusão do nome deles na lista de políticos sob investigação da Procuradoria-Geral da República, os presidentes da Câmara e do Senado ameaçaram patrocinar emenda constitucional para impedir a recondução de Rodrigo Janot. Sem apoio suficiente entre seus pares, logo recuaram da bravata.
O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal atuam com firmeza sem precedente no combate à corrupção, valendo-se de instrumentos jurídicos novos. Procedem, no entanto, dentro dos limites do devido processo legal e, em última instância, sob o crivo do STF.
Embora preocupado com os prejuízos políticos e econômicos do processo judicial, o governo não opera para cercear o trabalho dos responsáveis pela investigação ainda em curso. E as oposições, sem abandonar seu dever de manter acesos os holofotes sobre irregularidades cometidas pela presidente e seu governo, decidem trilhar caminho alternativo ao impeachment, que nada teria de inconstitucional, mas provocaria consequências imprevisíveis e não desejadas pela população na delicada situação econômica e política que o Brasil atravessa.
Por ora a travessia se dá com razoável estabilidade graças às instituições construídas e/ou aperfeiçoadas nos últimos 20 anos, ao amparo da Constituição. Não é pouco.
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