O GLOBO - 04/03
Ajuste fiscal chegou no meio de um conflito político. O Congresso se rebelou contra o ajuste fiscal com o qual a presidente Dilma II pretende corrigir os erros da presidente Dilma I. As primeiras medidas não foram aceitas pela base, e o presidente do Senado devolveu ao executivo a MP das desonerações. Isso obrigou o governo a enviar de novo, em forma de Projeto de Lei, com urgência constitucional. No meio de tudo isso, o BC hoje vai subir juros para combater a inflação.
Apesar de a Selic já estar em 12,25% e a economia estar caída, o Banco Central deve aumentar os juros de novo hoje. Não há remédio sem efeito colateral, e o BC enfrentará um dilema para tomar a decisão. A confusão é a seguinte: se a inflação está bem acima da meta, o remédio é subir juros. Se a economia está indo para a recessão, o remédio é baixar juros. Se o déficit nominal está alto, a elevação das taxas piora as contas. Se a inflação subiu, em parte pelo descontrole fiscal, o aperto monetário é um remédio.
O dólar ontem fechou em R$ 2,92, no patamar mais alto desde setembro de 2004, depois de uma atuação mais fraca do Banco Central no mercado de câmbio. Também refletiu a desconfiança maior do mercado no ajuste fiscal, que encontra resistência cada vez maior no Congresso, principalmente da base do governo. E isso terá efeitos na economia, porque o dólar mais forte pressiona ainda mais os preços. Sua vantagem é incentivar exportações, mas até agora isso não aconteceu. As vendas externas caíram 15% em relação a fevereiro do ano passado. Em dois meses, o déficit do comércio externo é de US$ 6 bilhões.
A questão é: quem colocou o país numa situação tão difícil? A equipe anterior e as ideias econômicas adotadas no primeiro mandato. Aquela equipe tentou forçar o crescimento, com gastos, e arruinou as contas públicas. Tentou segurar a inflação, segurando preços, e criou uma inflação reprimida. A lambança feita na energia alimentou uma pressão inflacionária que estoura no pior momento.
Os erros na condução da economia no ano eleitoral de 2014 estão cobrando um preço altíssimo agora. O Banco Central começou a subir juros três dias depois do segundo turno. O governo ignorou a inflação, escondeu a piora das contas públicas, subestimou o risco energético. O BC tentou segurar o câmbio, apesar do forte déficit em conta-corrente. A correção abrupta desses quatro erros neste início de 2015 está tendo um efeito devastador na economia. O que piora o quadro é a incerteza criada pela corrupção na Petrobras.
A Fenabrave, entidade que reúne as concessionárias de veículos, divulgou ontem que as vendas de automóveis em fevereiro caíram 27% sobre o mesmo mês do ano passado. No acumulado do ano, a queda é de 22%. As vendas de ônibus e caminhões despencaram 35%. A associação revisou sua projeção para 2015, de uma queda de 0,5% nas vendas para um tombo de 10%.
Esse exemplo mostra que dificilmente o país escapará de uma recessão este ano. O número de 2014 já pode ter sido negativo. O resultado oficial só será divulgado pelo IBGE em março. Esse é o maior problema: os ajustes fiscal e monetário acontecem sobre um nível de atividade que está em contração.
O aumento dos preços tira renda dos consumidores e diminui o horizonte de previsibilidade dos empresários. Eles ficam inseguros e congelam projetos de investir. Por isso, em uma conjuntura como a atual, ela precisa ser combatida para se começar a criar confiança.
As projeções para a inflação de 2015 estão em 7,47%, quase um ponto acima do teto de tolerância. Há estimativas que chegam a 8%. Isso é efeito do tarifaço da energia elétrica, do reajuste da gasolina, da recomposição de impostos para reequilibrar as finanças públicas e do aumento do dólar. Quanto a isso, há pouco que o Banco Central possa fazer.
A autoridade monetária precisa olhar além, para 2016. É sobre as expectativas do ano que vem que o aumento de juros agora tem efeito mais imediato. A boa notícia é que o mercado estima alta de 5,5% nos preços, ou seja, menor do que espera para o IPCA deste ano. Isso quer dizer que o descontrole inflacionário não está no radar dos economistas; apenas acredita-se em um ano de correção dos erros do passado. Com a crise política, no entanto, é mais difícil prever o que acontecerá com as decisões na economia. As contas chegaram todas de uma vez e no meio de um conflito político.
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