FOLHA DE SP - 04/03
Se os dois não se acertarem (e ainda não se acertaram), quem pagará a conta serão 200 milhões de brasileiros
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ri demais e fala demais. A doutora Dilma zanga-se demais e fala de menos. Levy ainda não completou 90 dias no cargo e já se viu na constrangedora situação de reverter uma afirmação depois de ser publicamente repreendido pela chefe. O pior é que ambos tinham razão: a amplitude das desonerações tributárias foi uma “brincadeira” e sua expressão foi “infeliz”. Noutra ocasião Levy foi levado a uma acrobacia semântica, esclarecendo que a economia não sofrerá uma “recessão”, mas uma “contração”. (Em qualquer época, o Planalto tem horror a essa palavra. Em 1974 a censura baixou uma ordem tornando “terminantemente proibidas” quaisquer referências “relativas a recessão econômica, ainda que hipotéticas”). Até hoje se pode ouvir a gargalhada de Mário Henrique Simonsen ao saber dessa proibição.
As situações em que Levy se atrapalhou são despiciendas porque ainda não refletem grandes diferenças de fundo. Se a doutora quiser que ele cante tangos numa Unidade de Terapia Intensiva, quem pagará a conta serão os brasileiros. Nos últimos 50 anos, presidentes e ministros da Economia dançaram a mesma música em apenas quatro ocasiões, com as duplas Lula-Palocci, FH-Malan, Médici-Delfim e Castello Branco-Roberto Campos. O preço dos desarranjos e dos ministros-fantasmas foi a maior crise econômica da história do país.
Se o comissariado e o doutor Levy ficarem num jogo de gato e rato, ambos perderão. Entre as atribuições do ministro da Fazenda está a de animador de auditório. Alguns titulares, como Guido Mantega, tiveram desempenhos patéticos. Outros, como Pedro Malan, funcionaram como maestros, regendo charangas de sábios. Levy mostrou que é um mau animador. Ora exagera no economês, ora escorrega num coloquialismo de banqueiro bem-humorado.
Tudo isso não tem grande importância diante das dificuldades das contas nacionais e do esforço que será necessário para recolocá-las nos trilhos. Enquanto Lula deu mão forte a Antonio Palocci, seu governo teve rumo na economia. A situação de Levy é outra. O compromisso da doutora com sua agenda é uma dúvida. O do comissariado petista é quase uma certeza negativa.
Apesar de tudo, o ministro da Fazenda já conseguiu impedir que a conta das concessionárias de energia fosse para o Tesouro, avançou na brincadeira das desonerações e está fechando o cofre. Ainda falta muito. O repórter Vinicius Nader informa que as grandes empresas metidas na Lava-Jato estão solicitando empréstimos de US$ 10 bilhões do BNDES. (Cerca de US$ 3 bilhões para a Sete Brasil.) São os ectoplasmas dos “campeões nacionais”. Os interesses que alavancam esses pedidos supõem que o doutor Luciano Coutinho, presidente do banco, seja aparentado com a Casa de Saud. O rei Salman, cujas contas vão melhor que as da doutora, comemorou sua ascensão ao trono distribuindo algo como US$ 32 bilhões aos súditos sauditas. Fez isso de acordo com a metáfora do economista Ricardo Paes de Barros, jogando o dinheiro de helicóptero. O problema de Levy é que o chamaram para tomar dinheiro dos contribuintes, com o propósito de cobrir buracos criados pela banda saudita do governo.
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