O ESTADO DE S.PAULO - 22/03
Gilberto Carvalho, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, cumpriu mais uma vez seu papel de fiel porta-voz do ex-presidente Lula ao atacar publicamente o ajuste fiscal que está sendo executado pelo governo de Dilma Rousseff. Conhecido por seu trânsito nos movimentos sociais e nos sindicatos, Carvalho criticou a presidente sem nenhum constrangimento durante encontro com sindicalistas no último dia 16.
"Eu tenho vergonha de dizer: nós erramos", discursou Carvalho, utilizando o pronome pessoal "nós" de acordo com a peculiar gramática lulista, que dá a impressão de incluir no discurso aquele que fala, quando, na verdade, atribui toda a responsabilidade do dito "erro" a terceiros - no caso, um governo a que Carvalho e sua turma já não servem. Logo, a "vergonha" à qual o ex-ministro se refere é apenas de Dilma, e não dos lulistas.
Como se sabe, Lula está em campanha para salvar-se a si mesmo. Além de elevar o tom nas conversas mais recentes com Dilma - consta que chegou a gritar com sua criatura e estapear a mesa em uma de suas últimas reuniões -, o potentado petista resolveu atiçar a militância dita "social" contra o ajuste fiscal. Com isso, Lula pretende descolar sua imagem de uma presidente cada vez mais isolada, empunhando a bandeira da defesa dos trabalhadores em meio à crise.
O ajuste não é um capricho, como sabem todos aqueles com um mínimo de bom senso. Trata-se de um sacrifício necessário para reconstruir uma economia danificada pela irresponsabilidade fiscal do lulopetismo. Dilma parece ter entendido, decerto a contragosto, que o País não suportaria mais quatro anos de tolerância com a inflação e de rombos nas contas públicas. Pois justamente no momento em que ela mais precisa do apoio de sua base, a começar pelo seu próprio partido e pelo seu mentor, o que ela deles recebe é uma hostilidade crescente.
Lula, claro, não se expõe pessoalmente. Fala por interpostas pessoas, como Gilberto Carvalho, que passou todo o primeiro mandato de Dilma atazanando-a com os recados do chefe. E o agora ex-ministro cobrou de Dilma que reconheça a dívida que tem com Lula e com o PT.
"Nós tivemos uma eleição que só foi ganha pela luta de vocês, pela luta da nossa militância. Aqueles 3 milhões de votos que nos salvaram, nós sabemos que foram graças à luta da militância. E a gente, quando acabou a eleição, em vez de chamar o pessoal para discutir - 'olha pessoal, vamos fazer um programa para valer, popular' -, nós esquecemos", disse o ex-ministro. Para Carvalho, portanto, Dilma tem contas a acertar com essa militância.
"Levou um mês para ser chamada a CUT lá no Palácio (do Planalto). Um mês para o MST ser chamado lá no Palácio. E viemos com um pacote que só penalizou o lado dos trabalhadores, sem nenhuma comunicação. Devo dizer que fiquei muito triste com isso. Esse foi um erro imperdoável que nós cometemos. Não tem como negar. Porque assim você não faz alianças estratégicas", declarou Carvalho, expondo a grande insatisfação dos lulistas com a perda de espaço no governo dilmista.
Os sindicalistas se queixaram a Carvalho de que está cada vez mais difícil mobilizar trabalhadores para defender o governo nas ruas, em razão das dificuldades criadas pelo ajuste. O ex-ministro respondeu que Dilma já entendeu o "erro" que cometeu ao não ceder às demandas dos movimentos sociais e afirmou acreditar que "a lição foi aprendida".
Essa pressão explícita, vocalizada um dia depois do maior protesto popular realizado contra Dilma até agora e em meio ao esfarelamento da base governista no Congresso, deixa claro que a prioridade de Lula no momento não é socorrer a presidente. O ex-presidente e candidatíssimo a voltar ao cargo em 2018 está mais interessado em fazer seus eleitores acreditarem que o atual aperto nos cintos resulta não da necessidade de reorganizar a economia, após anos de esbórnia, mas da recusa da presidente em lhe dar ouvidos sobre como deveria governar.
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