CORREIO BRAZILIENSE - 08/02
Sebastião Nery, no livro Ninguém me contou, eu vi (de Getúlio a Dilma), relata como nasceu o mensalão: "Tarde de sábado no Restaurante Piantella, o melhor de Brasília. Lula havia ganhado a eleição presidencial de 2002 contra o tucano José Serra e estava em Porto Alegre, com José Dirceu e a cúpula do PT, discutindo com o PT gaúcho a formação do novo governo. Um grupo de jornalistas estava a um canto, almoçando e conversando sobre o país, eu junto.
De repente, entram nervosos, aflitos, os deputados Moreira Franco, Gedel Vieira Lima, Henrique Alves, da direção nacional do PMDB, começam a discutir baixinho, quase cochichando. Em poucos instantes, chega o deputado Michel Temer, presidente nacional do PMDB. Nem almoçaram. Beberam pouca coisa, deram telefonemas, saíram rápido.
Nada falaram. Acontecera alguma coisa grave. Voltariam logo.
Um deles voltou e contou a bomba política do fim de semana. Antes de viajar para o Rio Grande do Sul, Lula encarregara José Dirceu, coordenador da equipe de transição e já convidado para ser chefe da Casa Civil, de negociar com o PMDB o apoio a seu governo, em troca dos ministérios de Minas e Energia, Justiça e Previdência, que seriam entregues a senadores e deputados indicados pelo partido.
Lula já havia dito ao PT que eles não podiam esquecer a lição da derrubada de Collor pelo impeachment, que o senador Amir Lando, do PMDB de Rondônia, relator da CPI de PC Farias, havia definido como uma quartelada parlamentar. No Brasil, para governar, era preciso ter sempre maioria no Congresso. O PT tinha que fazer as concessões necessárias.
O primeiro a ser chamado era o PMDB, o maior partido da Câmara e do Senado. Lula mandou José Dirceu acertar com o PMDB, combinaram três ministérios e ficaram todos felizes. Em Porto Alegre, na primeira noite, Lula encontrou a gula voraz do PT gaúcho, que exigia os ministérios de Minas e Energia, da Justiça e da Previdência.
Lula cedeu. Chamou Dirceu e deu ordem para desmanchar o acordo com o PMDB. Dirceu perguntou como conseguiriam maioria no Congresso. "Compra os pequenos partidos" - disse Lula. "Fica mais barato." Dilma virou ministra de Minas e Energia; Tarso Genro, da Justiça; e a Previdência ficou para resolver lá na frente. E assim nasceu o mensalão".
Corria o ano de 2002. Em fins de 2003, o mensalão incendiava a nação. Em 2004, Lula teria plantado na Diretoria de Abastecimento da Petrobras o dr. José Roberto, o Paulinho, hoje o corifeu dos delatores, devido à pressão do PP para que se arranjassem novas fontes de financiamento em favor da base aliada.
Sabedor das coisas desde os primórdios, esse "Paulinho", suas declarações e provas entregues (além de outras que estão sendo investigadas) são nitroglicerina pura. Ninguém sabe onde isso tudo vai dar. Mas não há como obstar o processo. Diferentemente do mensalão, o juiz Moro e a Polícia Federal produziram provas robustas e entrelaçamentos entre os protagonistas da "organização criminosa".
Foi justamente para garantir fundos a um projeto de poder que se teria criado o esquema na empresa de petróleo. O mensalão fora arquitetura complicada e pouco rentável, logo descoberta. São ilações de certos analistas políticos. E não são desarrazoadas. O PT, especialmente o paulista (ABC, Campinas, Ribeirão Preto) já tinha alguma experiência nas áreas do jogo, do lixo e das concessões de linhas transporte coletivo.
Ao cabo não foi pelo repasse de comissões cobradas dos concessionários de serviços públicos que o prefeito Celso Daniel, de São Bernardo, fora assassinado (caso até hoje irresolvido)? A Petrobras terá sido um achado valioso que retomou a captura de recursos para as campanhas eleitorais do PT e da base aliada, em todas as disputas pelo comando da República brasileira e das estatais, contratos e obras.
À Justiça cabe agora a palavra final. As dos juízes para os crimes dos réus comuns. A do STF e STJ para os parlamentares e demais autoridades com prorrogativa de foro. Com a saída de Joaquim Barbosa, o povo aguarda o desfecho desse negativo capítulo de nossa história, entre crédulo na justiça e desconfiado do Poder Judiciário.
Dilma e a base aliada devem estar cientes - contados os votos anulados em branco - de que apenas 38% do colégio eleitoral formou o governo atual e que a oposição obteve expressiva votação de apoiadores. O país continua dividido. A quantidade dos que desertaram do voto é preocupante (desilusão política). Eles nos observam atentamente, tanto a situação quanto a oposição.
Atravessamos o momento mais perigoso de nossa história econômica recente. A responsabilidade é inteiramente do PT, herdeiro das próprias gestões. A herança que tiveram foi de grande monta: um país estabilizado pelo fantástico Plano Real, que domou a inflação (antes era de 480% ao ano ou mais). As novas gerações precisam ser informadas do nosso passado desde a redemocratização em 1988.
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