O petróleo é o melhor combustível para governos demagogos e populistas e para ditaduras explícitas ou disfarçadas. No caso brasileiro, a simples constatação de reservas gigantescas em águas pra lá de profundas foi suficiente para o grupo político dominante à época ser tomado pela febre do ouro negro. Desatentos à gangorra dos preços internacionais e acompanhados de empresários inescrupulosos e caciques partidários corruptos, os líderes conduziram o país à maior tragédia corporativa de nossa história, protagonizada pela empresa-símbolo do nacionalismo brasileiro, a Petrobras.
Tal qual uma maldição que assombra populações em diferentes partes do mundo, a riqueza extraída das profundezas compra apoios, abafa malfeitos, vende ilusões e aparelha Estados cada vez menos democráticos. A Rússia pós-soviética, com seu gás canalizado até o coração da Europa ocidental, fortaleceu um núcleo de poder movido a hidrocarbonetos e a velhos ardores patrióticos. Mais perto do Brasil, assistimos a episódios semelhantes, com a emergência da esquerda raivosa na Bolívia e no Equador, amparada nos energéticos do subsolo. Mesmo a Argentina, com menos pujança nos campos petrolíferos, pegou carona nessa malfadada onda.
Com a mesma sanha para centralizar no tesouro nacional os ganhos futuros com metros cúbicos de combustíveis fósseis, esses governos expulsaram investidores (leia-se capitais e tecnologia inovadora) internacionais, ocuparam politicamente estatais de exploração, de refino, de distribuição e de comércio externo e inibiram outras atividades econômicas. A dependência das cotações elevadas do petróleo se tornou a armadilha para czares, caudilhos e "pais da nação". O maior exemplo é o da Venezuela e o seu bolivarianismo tipo exportação. A atual crise econômica do nosso parceiro do norte no Mercosul em razão de um barril cotado em torno de US$ 50, cerca da metade do preço de meses atrás, aponta para a convulsão social.
E o Brasil? Ainda estamos longe de algo parecido com o chavismo, mas a insaciável sede com que empreiteiros e parlamentares da base aliada avançaram sobre o pote das licitações bilionárias da Petrobras deixaram estragos muito difíceis de reparar. Os desdobramentos das investigações do petrolão estão só começando e as ações de acionistas minoritários da estatal aqui e nos Estados Unidos também têm muito a render. Isso sem falar das causas trabalhistas, das perdas para comunidades e governos estaduais e municipais com obras paralisadas e, por fim, do risco de rebaixamento das notas de crédito de empresas e do próprio país. O sonho do bilhete premiado do pré-sal virou pesadelo sem hora para acabar.
É nessa hora que penso como a ganância de pessoas e de grupos políticos consegue arruinar um projeto nacional. Em nome do bem-estar do povo, montam-se esquemas sem qualquer pudor. Mas também encobrem realidades que interessam a todos, como a de que petróleo e gás natural são recursos finitos, vilões do clima e patrocinadores de malfeitores planeta afora, incluindo terroristas. Para piorar, a promessa do presidente norte-americano Barack Obama de trilhar o caminho de energias limpas e renováveis para a humanidade está sendo anulada pelo antichoque promovido pelo cartel dos países produtores (Opep), encabeçado pela Arábia Saudita.
A derrubada proposital das cotações do barril de petróleo visa desestimular o investimento em fontes alternativas e na exploração de novas reservas, como a do pré-sal brasileiro, que exige capital intensivo. Tragicômico, o governo gastou os últimos anos justamente para ampliar a responsabilidade financeira e técnica da Petrobras na tarefa de converter as jazidas volumosas em recursos no caixa do país. Os preços artificialmente baixos dos combustíveis vendidos no mercado interno, o superfaturamento dos itens do plano estratégico da estatal e os obstáculos à empreitada de nacionalização do complexo petroleiro trouxeram resultados funestos. No momento em que escândalos são revelados, o passivo empresarial recorde e as perdas colossais no valor de mercado cobram rápidas mudanças de rumos.
Alerta ignorado
Shigeaki Ueki, ex-presidente da Petrobras (1979-1984), vem alertando desde 2013 para a tendência de baixa nas cotações do barril em razão dos volumes crescentes de gás não-convencional, das descobertas de grandes campos de petróleo no continente africano e do interesse internacional nos biocombustíveis. Diante desse cenário, antes mesmo da Operação Lava-Jato, ele considerava fundamental "manter o equilíbrio financeiro da Petrobras" para o bem do país. A política de modicidade dos preços da gasolina sacrificou a estatal e o setor sucroalcooleiro, seguindo a claramente equivocada política adotada pela Venezuela. "O modelo que devemos seguir é o de países bem-sucedidos socialmente", escreveu o executivo.
Ele destaca o caso da Noruega, cujo fundo de investimento sustentado pela exploração em alto-mar rende dezenas de bilhões de dólares em lucros todos os anos. Aquele país se tornou o verdadeiro reino da social-democracia, com um governo modesto nos seus gastos, mas com saúde e educação de qualidade de graça para todos os habitantes. Não por acaso, os maiores fornecedores do bacalhau para as nossas mesas são campeões em qualidade de vida, medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
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