quarta-feira, fevereiro 18, 2015

A qualidade do gasto público - CARLOS RODOLFO SCHNEIDER

O GLOBO 18/02

Tomara que as medidas recentemente anunciadas pelo governo efetivamente eliminem parte das distorções



O perfil do gasto público vem se deteriorando acentuadamente. Crescem os gastos correntes (custeio mais transferências) às custas de investimentos. Nos gastos de custeio, que basicamente compreendem a manutenção da máquina pública, o quadro de servidores da União voltou a crescer após redução na década de 90. De 910 mil, em 2002, passamos para 1,2 milhão de funcionários ativos nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em 2014. E hoje o governo paga mais do que o mercado para os seus funcionários, 25% mais do que recebe alguém com a mesma qualificação no setor privado.

Entre as muitas outras distorções nas despesas públicas, estão os gastos excessivos com pensões por morte e o crescimento desenfreado do seguro desemprego, num momento em que se afirma estar o país em situação de pleno emprego. O Brasil gasta 3,2% do PIB com pensões, percentual mais de três vezes superior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Se conseguirmos, eliminando distorções e privilégios, chegar em 1% como o Japão, isso liberaria recursos suficientes para dobrar o investimento público no país. Nada desprezível. Tomara que as medidas recentemente anunciadas pelo governo efetivamente eliminem parte dessa distorção.

No ano passado a agência de classificação de risco Moody’s revisou a perspectiva de nota do Brasil de estável para negativa. Em 2005, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, apresentou ao ex-presidente Lula a proposta de projeto que previa um crescimento do gasto corrente inferior ao do Produto Interno Bruto (PIB), para permitir aumento dos investimentos. A proposta foi rejeitada pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Recentemente a presidente manifestou a necessidade de se estabelecer um limite para o aumento do gasto público, compatível com o crescimento da economia. Mais ainda, defendeu o aumento do investimento e da produtividade do trabalho como requisitos para um crescimento mais rápido do PIB e dos salários reais, com estabilidade macroeconômica. Sem dúvida, uma esperança de dias melhores.

Na mesma linha, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou serem necessárias e urgentes medidas fiscais para reequilibrar a economia. Destacou a necessidade de “pensar na trajetória do gasto público para não sufocar a economia com dívida ou carga tributária excessiva (...) não adianta tentar criar uma porção de regimes especiais de imposto e fingir que a trajetória do gasto não tem impacto no crescimento da economia”.

Como vimos, o esforço fiscal para atingir a meta de superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 vai depender também de aumento da receita, isto é, de um avanço no bolso do consumidor, e provavelmente de corte nos investimentos. É a sociedade pagando a conta novamente. Recente boletim do Movimento Brasil Eficiente (MBE) afirmava: “A notícia de que a nova equipe pretende fazer o ajuste pelo aumento de impostos é mais do mesmo. Sem uma mudança na política fiscal e tributária, continuaremos perdendo espaço na economia mundial. A sinalização de responder de modo incisivo e direto ao enorme desafio de eficiência na gestão pública, controle de corrupção e desperdício ainda não aconteceu”.

A notícia de que o Tesouro Nacional pretende fazer mudanças importantes no Siafi, convergindo para os padrões das normas internacionais de contabilidade para o setor público, é alvissareira. Disponibiliza uma boa ferramenta para o controle da despesa pública.

Para melhorar efetivamente o gasto, voltamos a reforçar a importância da criação do Conselho de Gestão Fiscal, via regulamentação do artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal. A bancada do MBE no Senado está empenhada nisso. Como bem atesta Marcos Mendes, da Consultoria Legislativa do Senado, “isso permitiria não apenas melhorar a qualidade do gasto público, introduzindo no país uma cultura de avaliação dos gastos, como também permitiria conter a expansão do gasto agregado. Menor carga tributária seria necessária para dar conta de despesas em menor nível. As avaliações de custos e benefícios poderiam ser feitas, inclusive, antes de os projetos serem postos em prática, por meio de avaliação de impacto de proposições em tramitação no Congresso que visem instituir novos gastos, conceder isenções tributárias ou outros tratamentos preferenciais a grupos específicos”. O poder público voltaria a servir ao público.

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