FOLHA DE SP - 15/02
A doutora está na Marquês de Sapucaí com enredo vencido, samba atravessado e des- confiança da arquibancada
Com 39 ministros ao alcance de um telefonema, Dilma foi a São Paulo conversar com Lula, buscando os conselhos de Nosso Guia. Magoada e inconformada com os números da pesquisa do Datafolha que expôs o estilhaçamento de sua imagem, ela busca uma saída. Sabe-se lá o que Lula teve a oferecer, mas em menos de dois meses a doutora ficou na avenida com um desfile caótico. Seu enredo, anunciado durante a campanha eleitoral, está vencido e algumas de suas alas desfilam com as fantasias da escola de Aécio Neves. Seu samba, com dois puxadores --Joaquim Levy na Fazenda e o PT no Planalto-- está atravessado. Isso tudo e mais uma arquibancada cética.
Essa bola rolará para o marqueteiro João Santana. Em 2013, quando o "monstro" foi para a rua ele expôs uma corajosa ideia, segundo a qual a doutora estava blindada em relação aos protestos. Nas suas palavras, ao repórter Luiz Maklouf Carvalho:
"É honesta? Tem comando? O governo está gerindo bem? A economia está bem? (...) Os protestos não podiam ser em relação a Dilma. (...) Era emoção --e não sentimento".
De fato, as pesquisas indicavam que a doutora passava em todos os quesitos, e Santana acertou na mosca. E agora?
"É honesta?" Pode ser, mas 77% dos entrevistados pelo Datafolha acham que ela sabia o que acontecia na Petrobras.
"Tem comando?" Pode ter, mas 44% acham seu governo ruim, ou péssimo, contra 23% em dezembro.
"A economia está bem?" Não. Tudo indica que não houve crescimento em 2014, nem haverá neste ano, com a inflação estourando a meta.
Se em 2013 havia mais emoção que sentimento, agora o que há é sentimento. Se houver emoção, será a do travo de quem foi iludido na campanha eleitoral, percebendo que Dilma Rousseff tem uma relação agreste com a verdade.
A doutora corre o risco de ouvir de novo o ronco da rua. Isso acontecerá quando os organizadores de protestos pedirem proteção da polícia para afastar mascarados e desordeiros que se infiltram nas manifestações. Afinal, a polícia não é paga para testemunhar o desvirtuamento de protestos pacíficos.
E a saída? Talvez Nosso Guia saiba onde ela está, mas tanto ele como a doutora estão aprisionados pela mentalidade do sítio. Acreditam que o mundo está contra eles.
IMPEACHMENT
Quando o PT fala em plebiscito mostra que está sem assunto.
Quando o PSDB levanta a possibilidade de impedimento da doutora Dilma é ele quem está sem assunto. Ou que, havendo um assunto como as petrorroubalheiras, é melhor acreditar na lenda lulista, segundo a qual o Brasil começou em 2003.
TACADAS
Com a entrada de alguns sócios do Gávea Golf na roda das petrorroubalheiras, vale lembrar o conselho do marqueteiro James Carville a Bill Clinton quando ele resolveu disputar a presidência dos Estados Unidos:
-- Se você quiser jogar golfe, jogue à noite.
BANDEIRADA
Subiu a bandeirada dos advogados que cuidam dos envolvidos na Lava Jato. Em dezembro uma banca apresentou à empreiteira UTC uma proposta na qual pedia R$ 2 milhões de entrada e R$ 1,5 milhão condicionados ao sucesso.
Nas últimas semanas um peixe novo (e grande) topou pagar R$ 2,5 milhões de saída e outros R$ 2,5 milhões como cláusula de sucesso, não se sabendo direito o que se entende por "sucesso".
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e soube que dois desembargadores do Tribunal Regional Federal determinaram o afastamento do juiz Flávio Roberto de Souza do processo em que é réu o empresário Eike Batista.
Um terceiro desembargador pediu vistas, mas a menos que alguém volte atrás, o doutor Flávio será o primeiro cidadão a sofrer algum tipo de reprimenda desde que surgiu o cometa Eike.
Ficam na arquibancada os milhares de acionistas do grupo X.
REFINARIA SIMONSEN
Proposta de uma víbora:
O Aldemir Bendine deveria trocar o nome da refinaria Abreu e Lima para refinaria Mário Henrique Simonsen.
O pernambucano Abreu e Lima foi um general que lutou pela liberdade e agora vê seu nome associado a escândalos. Mário Henrique, ministro da Fazenda de 1974 a 1979, enunciou a Lei de Simonsen:
"Quando um sujeito traz o projeto de uma obra deve-se perguntar quanto ele ganhará de comissão. Ele conta que levará 10%. Paga-se a comissão desde que não se fale mais no assunto."
Dando nome à refinaria, Simonsen seria lembrado num monumento onde esqueceram de sua lei.
OBAMA NÃO É TEDDY
Presidente sem rumo não é uma exclusividade nacional. O companheiro Obama resolveu anunciar que endureceria a ação militar contra o Estado Islâmico numa sala onde havia ao fundo um retrato do presidente Theodore Roosevelt (1901-1909), fardado.
Ridícula marquetagem. Primeiro porque a política externa do companheiro, com suas idas e vindas, nada tem a ver com a de Roosevelt. Segundo, porque se o ex-presidente fosse modelo para alguma coisa, Obama teria enfrentado a banca e os magnatas logo que assumiu.
Teddy Roosevelt fardado lembra sua corajosa participação na guerra para expulsar os espanhóis de Cuba. Ele acreditava que só as guerras produziam grandes figuras históricas e combateu vestindo fardas cortadas na loja Brooks Brothers. Fora da Casa Branca tentou lutar na Primeira Guerra e nela perdeu um filho piloto. Na seguinte, morreu outro, general, dias depois de desembarcar na Normandia.
"IDA" É UM GRANDE FILME E UMA ÓTIMA AULA
O filme polonês "Ida" é um joia. Na melhor tradição do gênero, conta uma história simples, na qual a narrativa conduz suavemente as emoções do espectador. Quem for vê-lo perceberá que saiu do cinema refletindo sobre questões que estavam guardadas no fundo de sua alma.
Ida era noviça criada num orfanato de Varsóvia e, ao ser enviada para uma visita a uma tia, é confrontada com sua ascendência judaica. Como se trata de um filme onde duas grandes atrizes falam pouco, contar mais que isso seria estragar o prazer.
Desde sua estreia o filme vem sendo atacado por passar a impressão de que durante a Segunda Guerra o antissemitismo polonês agravou o Holocausto. Não se trata de passar impressão, mas de expor um fato resgatado por historiadores poloneses. A inteligência do filme está em mostrar a naturalidade com que as coisas aconteciam. "Ida" é também um retrato da vida sob o regime comunista, magnificamente exposto numa das personagens. De quebra, vem uma sinalização do valor da religiosidade, quando Ida pergunta: "E depois?"
Um filme que mexe com o Holocausto sem ter alemães e mocinhos ou bandidos explícitos ajuda a entender o que aconteceu e até mesmo coisas que continuam acontecendo no que parece ser o simples cotidiano dos países.
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