FOLHA DE SP - 06/12
BRASÍLIA - Elis Regina sempre encheu os cômodos da nossa casa. Foi a voz feminina da minha infância.
Mesmo vivendo sob um teto tipicamente de classe média baixa, onde debates sobre as desventuras políticas do país inexistiam, o canto que embalou boa parte da esquerda brasileira na década de 1970 era reverenciado pela dupla que bancava as coisas para a meninada lá em casa.
"Falso Brilhante" foi o disco que mais ouvi na vida. A matriarca sardenta das Minas Gerais se orgulha até hoje de ter assistido --na segunda fila do teatro-- uma das apresentações da famosa turnê de 1976.
No último domingo, resolvi revisitar a obra. Dessa vez, ouvi longe das montanhas que "preenchiam" a janela do meu quarto. O que dá para ver da minha varanda agora, entre os prédios da quadra, é um pedaço da Esplanada dos Ministérios.
É estranho, considerando o cenário político atual, ouvir alguns dos hinos que foram entoados por gente que clamava por democracia e ver o que aconteceu com alguns dos ícones daquela geração. Foi inevitável a sensação de que algo saiu fora do script. "O que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer."
A democracia ainda engatinha por aqui. Mas essa moça já conseguiu produzir cenas marcantes. Fernando Henrique Cardoso, o professor, estava visivelmente satisfeito de passar a faixa presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva, o operário, naquela tarde chuvosa de janeiro de 2003.
Foi com Lula que alguns fãs do brilhante chegaram ao poder. Mas eis que o mensalão (todos eles) veio para mostrar que nem tudo era festa.
Para deixar as coisas mais turvas, estamos agora no meio de uma investigação que pode colocar o esquema Marcos Valério no chinelo.
Mais uma vez, o protagonismo, até onde sabemos, é de parte da turma que constatou, há quase 40 anos, que "apesar de tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais".
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