O GLOBO - 13/11
O que é mais chocante neste episódio do descumprimento da meta de superávit primário, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é a postura dos principais dirigentes do governo, a começar pela própria presidente Dilma, a prenunciar que nada será alterado no segundo mandato.
O secretário do Tesouro, Arno Augustin, que deve se transformar no segundo mandato em um conselheiro especial com amplos poderes no Palácio do Planalto, disse recentemente, para justificar o déficit, que o governo fez "o que era melhor para o país", como se isso dependesse da vontade de alguns poucos iluminados e tivesse que ser aceito por toda a sociedade como uma verdade irreversível.
O comportamento da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao encaminhar o pedido formal ao Congresso para mudar a meta combinada anteriormente, também foi espantoso. Além de não apresentar um documento com uma justificativa técnica razoável, ela ainda se deu ao luxo de não informar qual o superávit que o governo estaria disposto a cumprir este ano.
Pela proposta original da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo se comprometia a fazer um superávit equivalente a 3,1% do PIB e podia abater da meta R$ 67 bilhões de obras e desonerações. A meta já fora reduzida para 1,9% do PIB com a aprovação do Congresso, mas agora o governo, além de não ter uma meta a propor, quer que seja permitido o abatimento de tudo o que for gasto com o PAC e desonerações. "Faremos o maior superávit possível", limitou-se a dizer a ministra do Planejamento, sem se comprometer com uma nova meta.
Mesmo esse vago compromisso já parece não ser possível de cumprir, pois analistas econômicos já garantem que teremos mesmo um déficit ao final do ano. Com o déficit de R$ 20,399 bilhões nas contas do governo central em setembro, o resultado acumulado no ano passou de um superávit para um déficit primário de R$ 15,705 bilhões, a primeira vez que isso ocorre desde 1997, quando teve início da série histórica.
Esse déficit tem explicações objetivas: o aumento dos gastos do governo nas eleições, desonerações de tributos e crescimento reduzido - que deve ser perto de zero este ano -, o que reduziu também a arrecadação de impostos. O governo, porém, atribui os problemas na economia a fatores externos, como a crise internacional e fenômenos climáticos como a seca, que contribuiu para fomentar a inflação com o encarecimento de alimentos.
A presidente Dilma entrou no debate na sua viagem para a reunião do G20 e resolveu nos comparar aos seus integrantes. "Dos 20 países do G20 (grupo das maiores economias do mundo), 17 estão hoje numa situação de ter déficit fiscal. Nós estamos no zero. Estamos até numa situação um pouco melhor". Da palavra da ministra Belchior para a presidente reeleita, já passamos de um superávit qualquer para zero, e com louvor.
Mas Dilma foi adiante: "Nós temos uma das menores dívidas líquidas sobre o PIB, 35%, e a média dos países do G20 é acima de 60%. A nossa situação é bastante diferenciada. Nenhum deles está cumprindo superávit primário", ressaltou. Como sempre, a presidente ressaltou o que lhe é favorável, e esqueceu o que neutraliza esse raciocínio. A diferença é que um país como o Brasil rola sua dívida líquida pagando cerca de 15% de juro real, enquanto os demais países em melhores situações fiscais pagam cerca de 1%. Um caso emblemático é o do Japão, que tem 200% de dívida líquida, mas paga juros negativos.
E por que isso acontece? Justamente devido a nossa fragilidade fiscal provocada por contabilidade criativa que não dá confiança aos credores. Quando o governo dá dinheiro ao BNDES, cresce a dívida bruta e a líquida fica inalterada. Mas os juros sobre a dívida líquida sobem. Mudar novamente a meta de superávit primário, sem se comprometer com meta alguma, é o pior caminho que o governo poderia trilhar, especialmente quando se prepara para um novo mandato e, com essas atitudes, manda sinais de que teremos mais do mesmo nos próximos anos.
É sinal de que não aprenderam nada com os problemas que criaram para eles próprios.
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