O ESTADÃO - 06/11
Mesmo depois de virar água passada, a eleição de 2014 continua produzindo fatos inusitados. Passado o baque daquela noite de domingo (26), em que o PT mais uma vez tirou o PSDB da rota de volta da planície ao Planalto, a oposição não faz outra coisa a não ser comemorar a derrota.
O entusiasmo, a unidade de ação e o pensamento dos perdedores contrastam com os reclamos, as divergências e a desorientação dos vencedores que ficaram com o governo, mas herdaram uma oposição cujos primeiros acordes sinalizam que será completamente diferente daquela que saiu das três eleições anteriores.
E a razão não está apenas no aumento do número de votos. Inclusive porque não foi assim tão significativa: José Serra teve 44% em 2010 e Aécio Neves, 48,4% agora.
A diferença está no entendimento por parte dos oposicionistas de que a eles cabe o papel de vocalizar o contraditório e se expressar em nome de parcelas da sociedade não apenas nos momentos em que precisam de votos.
A volta do senador Aécio Neves à cena, com seus discursos ontem na reunião da Executiva do PSDB e na tribuna do Senado, resume o que já vinha sendo dito e escrito por lideranças do partido: a oposição promete ser combativa, vigilante, contundente, incansável e não se limitar ao ambiente do Congresso.
Aécio deixou isso muito claro quando alertou ao governo para que não olhasse a oposição apenas pela ótica do tamanho de suas bancadas no Parlamento, mas na perspectiva dos 51 milhões de cidadãos que optaram pela candidatura dele e em nome dos quais, anunciou, "vamos fazer a mais vigorosa oposição que este Brasil já assistiu".
A cena fez lembrar outra, cerca de quatro anos atrás, quando Aécio Neves recentemente eleito senador subiu à mesma tribuna para fazer um discurso a fim de se apresentar (era a expectativa) como líder da oposição. Palavras brandas, foi aparteado por senadores do PT um após o outro em saudações elogiosas, no tom algo irônico de quem recepciona o oposicionista que pediu a Deus.
Retraído, pouco combativo, assim se comportou. É possível que isso tenha feito a diferença agora entre a vitória e a derrota. E por isso a entonação ontem foi outra: a começar por lembrar que a presidente Dilma Rousseff está tomando medidas que durante a campanha dizia que o adversário iria tomar.
Discurso que ela agora gostaria que fosse esquecido.
Extremos. Os protestos pós-eleitorais que degeneram para a defesa da volta dos militares são a outra face da moeda de gestos, tais como a recente assinatura de convênio entre o MST e o governo da Venezuela para troca de conhecimentos sobre os fundamentos da "revolução social".
Os primeiros foram repudiados pela oposição; de bom alvitre seria que, em relação ao intercâmbio bolivariano, o governo brasileiro pudesse dizer que não tem nada com isso.
Nada impede. Passada a eleição, perdeu a validade o argumento do ex-presidente Luiz Inácio da Silva para não atender ao convite da Polícia Federal que, desde fevereiro, tenta ouvi-lo sobre um depoimento de Marcos Valério de Souza apontando a interferência de Lula e de Antônio Palocci em repasse de R$ 7 milhões da empresa Portugal Telecom ao PT.
O inquérito foi aberto em abril de 2013 e a PF aguarda o depoimento do ex-presidente (como testemunha) para concluí-lo. O convite foi feito reiteradas vezes, mas só respondido de forma indireta pelo advogado Márcio Thomaz Bastos dizendo que iria tentar marcar uma data.
Quando o assunto veio a público, em setembro último, a alegação foi a de que no curso da campanha eleitoral não seria o período mais conveniente.
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