FOHA DE SP - 24/10
Deputados e senadores, em especial os mais vividos, sabem o quanto pode ser custosa, em termos políticos, a defesa de um projeto de lei que afronte o interesse público. Sempre que podem, portanto, valem-se de expedientes sorrateiros para tentar encobrir seus propósitos inconfessáveis.
Poucos instrumentos legislativos prestam-se mais a esse tipo de embuste do que as medidas provisórias --cujo abuso pelo Executivo, aliás, já representa uma distorção.
Editada em sua versão original pela Presidência da República, essa peça normativa responde, cada vez mais apenas na teoria, a demandas urgentes e relevantes, tendo por isso tramitação prioritária.
Nessa prioridade inúmeros congressistas enxergam uma oportunidade. Aproveitando-se da inércia de uma medida provisória qualquer, nela embutem as mais diversas propostas, desde aquelas que não alcançariam consenso em uma das Casas até as que jamais mereceriam o apoio da população.
O exemplo mais recente da anomalia está na medida provisória 651, assinada pela Presidência em 9 de julho. Quando chegou ao Congresso, tinha 51 artigos e tratava do Refis, programa que reduz juros e parcela dívidas tributárias. Ao ser aprovada pela Câmara na semana passada, contava 114 artigos e versava sobre tudo e mais um pouco.
Nesse contrabando entrou um dispositivo malicioso. Por sugestão do senador Gim Argello (PTB-DF), o deputado Newton Lima (PT-SP) incluiu no texto regra que anistia parte das dívidas de condenados por desvio de recursos públicos.
Se a lei passar assim como está, gestores e empresas que tenham cometido irregularidades poderão ganhar o benefício de pagar o que devem com exclusão de juros e multas, em parcelas que podem se prolongar por até 15 anos.
Não é pouco o que está em jogo. Somente em 2013, a Advocacia-Geral da União, responsável por cobrar dívidas após condenação judicial ou administrativa, iniciou 2.109 processos com vistas a receber pouco mais de R$ 1 bilhão.
De acordo com o próprio Newton Lima, a emenda não prosperará. Ainda que a medida provisória ganhe o aval do Senado, o que parece provável, o trecho indecoroso será vetado pela presidente Dilma Rousseff (PT), afirma. Pode ser. Mas convém vigiar de perto.
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