CORREIO BRAZILIENSE - 08/09
O "sonhatismo marinístico", termo recém-criado para designar a vitória dos bons sobre o apocalipse, interpreta a vida como um cosmos que se despedaça e definha não apenas no campo ecológico mas, acima de tudo, no campo da metafísica, da cultura, das raízes mais profundas da existência social. Sua sacerdotisa refere-se à nossa medíocre conjuntura política como um problema de, pasmem, "crise civilizatória". Ao ressoar das trombetas, o povo desolado só encontrará razão para viver na consumação da "nova política".
Sobre o significado dessa nova política, muito já foi falado - por uma única pessoa - e muito pouco entendido. A interpretação, como de praxe, cabe ao ouvinte-eleitor que, por boa vontade ou desespero, busca se reencantar pelo brilho melódico do chavão "mudança" que tudo abarca e com nada se compromete.
Dizer o que não se pode classificar para que signifique qualquer coisa, criticar "tudo o que está aí" como ranço de um passado torpe, apontar que algo precisa ser feito sem nunca responder ao empobrecedor "como" e, sobretudo, denunciar polarizações e propagandear-se como a única possibilidade de unir o Brasil é o método em vigor. Estratégia tão copiada por todos que, na história brasileira, reivindicaram a condição de "salvador da pátria".
Como uma arapuca, a nova política é a porta que se abre para o que há de mais atrasado na cultura política brasileira. A aparência de novo camufla o arcaico e esconde a armadilha. É o governo do predestinado, daquele que se encontra acima do bem e do mal. É o governo do messias que, favorecido pela fortuna, projeta encarnar-se numa candidatura todas as virtudes sacrificiais do amor ágape, do politicamente correto e a única ética digna de ser chamada de boa. Esse é o discurso consagrado de todo messias brasileiro. Nossa história é repleta de acontecimentos trágicos que hoje renovam o repertório em forma farsesca.
Arisca e fugidia, a candidata ganhou o benefício da ingenuidade popular. Ao abdicar o uso da lógica prática, só recebeu a condescendência embasbacada. Ao ser questionada sobre como se definiria dentro do espectro político, bradou: "Eu não sou nem de esquerda nem de direita, mas, sim, para a frente!". Seu projeto não poderia se enquadrar em qualquer definição utilizada por terráqueos no reino da realidade. Marina finge que explicou e o interlocutor finge que entendeu.
Não bastasse o discurso de tonalidade messiânica que a candidata sempre postulou, somado à negativa de submeter-se ao debate nos termos usados por gente de carne e osso, mais a estratégia de tratar da vida sublime para não ser obrigada a lidar com esta, as características mais nefastas de seu messianismo ganharam materialidade na trágica queda do avião de Eduardo Campos. Para uma cultura política condicionada a revelar salvadores da pátria, a mitificação da sucessora foi automática.
O eixo do programa marinista messiânico baseia-se na formação de uma massa de eleitores que se entregue a um plano que não existe e não existirá fora do campo do discurso. Em um possível governo, após ligar o piloto automático, aquilo que acontecer será tido como obra da visionária. O que der errado, caracterizará incompetência do povo, que insiste em viver na velha política. Será o governo dos "novos" contra os "velhos". Dos bons contra os maus. Qual demagogo ou populista também não utilizou as mesmas categorias?
Um governo de bons é o governo de moral inquestionável. No panteão dos bons, a ética terá endereço certo: habitará no Estado sonhático, que não apenas terá a responsabilidade de uso legitimo da força mas, principalmente, o uso exclusivo da ética. Só a salvadora da pátria terá o seu monopólio. O messianismo que propõe a nova política como projeto de superioridade moral e ética, no fundo, esconde seu real engodo: o de politizar a ética.
Um comentário:
Amigo, venha até a Baixada Fluminense ver as valas negras, os postos de saúde sem médicos, as escolas sem professores. Saia dos bairros de classe média para ver o que os seus governos fizeram com o Brasil.
Postar um comentário