A economia brasileira deve ter crescido perto de zero no primeiro semestre e o resultado do ano deve ser inferior aos 2,5% de expansão de 2013, segundo o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini. Traduzida para a linguagem corrente, foi essa a avaliação apresentada no Senado na terça-feira. A tradução ainda é suave, mas muito menos que o discurso original. Diante dos senadores, o presidente Tombini usou palavras macias para falar da crise: "Na avaliação do Banco Central, o ritmo de expansão da atividade econômica em 2014 tende a ser menos intenso do que o observado no ano passado, mostrando moderação, próximo da estabilidade, no primeiro semestre, e recuperação ao longo do segundo semestre deste ano". No caso de um país emergente, descrever um ritmo inferior a 2,5% como "menos intenso" é abusar do eufemismo, especialmente quando o próprio BC já cortou de 2% para 1,6% sua projeção de aumento do Produto Interno Bruto (PIB).
Apesar do excesso de açúcar, a fala do presidente do BC foi geralmente fiel aos fatos conhecidos - pelo menos para o ouvinte razoavelmente informado e em condições de ultrapassar as barreiras da linguagem. O baixo crescimento neste ano e nos três anteriores é apenas parte de um cenário mais assustador. Para avançar com maior velocidade e maior firmeza, a economia brasileira precisará investir muito mais, e com muito maior eficiência, em máquinas, equipamentos, construções privadas e infraestrutura. Esse investimento foi muito baixo nos últimos anos e ainda caiu no primeiro semestre de 2014. Mas a história parece muito menos desagradável na linguagem do presidente do BC. "Prospectivamente", disse ele, "minha avaliação é de que o desempenho da formação de capital neste ano será menos favorável do que o observado em 2013."
No ano passado, o investimento correspondeu a pouco mais de 18% do PIB. Nos 12 meses terminados no primeiro trimestre de 2014, ficou em 17,7%. Os dados parciais da primeira metade do ano indicam produção e importação de máquinas e equipamentos menores que as de um ano antes. O total investido na capacidade produtiva será neste ano ainda mais distante da meta, anunciada e repetida pelo governo, de 24% do PIB. Essa proporção ainda será inferior à da maior parte dos outros países emergentes, incluídos vários latino-americanos. Sem negar explicitamente os fatos conhecidos e as projeções contidas até nos documentos do BC. Tombini conseguiu, no entanto, adoçar consideravelmente a descrição.
Com igual cuidado, ele se absteve de confrontar o desempenho econômico do Brasil com os de países emergentes mais dinâmicos e com taxas de inflação bem menores. Na descrição do cenário internacional, mencionou a série de revisões, para baixo, das projeções de crescimento publicadas por várias fontes nacionais e internacionais. As tendências observadas até agora, segundo ele, confirmam a expectativa de recuperação global mais lenta que a prevista no ano passado. A recuperação provavelmente continuará, ressalvou o presidente do BC, mas só ganhará mais impulso quando os espíritos animais dos empresários forem restabelecidos totalmente.
Até aí, a análise émuito parecida com a de muitos outros especialistas. Mas o presidente do BC comete uma espécie de contrabando, em sua descrição da cena global, ao tratar como parte de uma tendência geral a piora das previsões para a economia brasileira. A revisão para baixo das projeções de crescimento, segundo ele, "engloba países avançados, como os Estados Unidos, assim como economias emergentes, como o México, a China, o Brasil", etc.
As revisões, de fato, são gerais, mas é um tanto abusivo diluir o caso brasileiro nesse conjunto. O desempenho do Brasil tem sido, há anos, bem pior que o da maioria dos emergentes e as projeções para o País, neste e nos próximos quatro ou cinco anos, continuam muito ruins. Os obstáculos ao crescimento brasileiro são na maior parte de origem interna. Não se pode examiná-los adequadamente sem uma discussão franca da política econômica. O discurso do presidente do BC passou longe desse quesito.
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