O GLOBO - 18/07
A política monetária caiu numa armadilha da qual sairá com custos maiores do que os necessários, se for administrada pelos manuais ortodoxos
Um ortodoxo radical em economia poderia criticar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) que, nesta quarta-feira, manteve a taxa básica de juros em 11% ao ano. Os diretores do Banco Central, que formam o comitê, repetiram agora em julho a taxa definida em maio, bem como os termos do comunicado público então emitido, mesmo com a inflação acima do teto da meta e com tendência de alta pelo menos até o último trimestre do ano.
Ainda que, pela ótica mais ortodoxa, a decisão não pareça lógica — a lógica, nessa visão, seria derrubar a inflação para o centro da meta em qualquer circunstância —, ela foi adotada por unanimidade dos integrantes do Copom, assim como era unânime a expectativa dos analistas de que a taxa de juros não seria alterada. Envolvida num excesso de dilemas, a política monetária não tem mesmo muito espaço como se mover, neste momento complicado.
São pelo menos dois os limites estreitos em que as políticas de juros e de câmbio podem circular, nos dias de hoje. O primeiro é o do crescimento econômico, que está baixo e com tendência a enfraquecer ainda mais. Elevar a taxa de juros é a ação mais tradicional para atacar pressões inflacionárias, mas um dos seus efeitos colaterais opera justamente como freio do nível de atividades. Se a economia já parece rodar em ritmo inferior a 1% ao ano, subir juros agora embutiria o risco de colocar mais gelo na geladeira.
Um outro limite vem do setor externo da economia. Em regimes de câmbio flutuante — limpos ou sujos —, movimentos nas taxas de juros costumam repercutir nas taxas de câmbio, e aumentos nos juros colaboram para valorizar a moeda local ante as estrangeiras. O real valorizado barateia importações e encarece exportações, agindo no sentindo de alargar o déficit em transaçöes correntes. Como o déficit já se encontra nas desconfortáveis alturas de 3,6% do PIB, uma alta dos juros tenderia a estressar ainda mais o lado externo.
A política monetária, em resumo, caiu numa armadilha da qual talvez sairá com custos maiores do que os necessários, se for administrada pelos manuais ortodoxos. Um exemplo relativamente recente dos efeitos tumultuadores da aplicação deste manual pode ser encontrado na ação do Banco Central, em setembro de 2008, às vésperas da quebra do banco Lehman Brothers, marco histórico da maior crise econômica global desde a Grande Depressão dos anos 30.
Dois dias úteis antes do evento, o Copom, numa decisão dividida, elevou os juros básicos em 0,75 ponto percentual, levando-os a 13,75% ao ano. A economia, naquele momento, crescia nas vizinhanças de 5% e a inflação acumulada em 12 meses rodava perto do teto da meta, na perigosa faixa de 6%.
Formado na época por uma maioria de economistas ortodoxos, oriundos do mercado financeiro, o comitê preocupou-se apenas com a tendência ascendente dos índices inflacionários. Não considerou as nuvens negras visíveis que já se formavam há algum tempo no horizonte globa e não previu — ou não deu importância — a tempestade que desabou em seguida. Mais: mesmo depois do colapso, manteve os juros altos por mais duas reuniões, em outubro e dezembro. Só começou a cortá-los, em janeiro.
O que ocorreu daí em diante não tem paralelo no histórico dos juros básicos. Só no primeiro semestre de 2009, a taxa Selic recuou cinco pontos percentuais, em pancadas de um ponto percentual por reunião do Copom. A inflação, que já começara a recuar em dezembro, antes da corrida para ajustar a taxa de juros à realidade dos novos e turbulentos tempos, fechou aquele ano em 4,3%, abaixo do centro da meta. E a economia, em 2009, encolheu 0,3%
A pergunta que fica é a seguinte: era preciso subir juros na véspera da hecatombe para evitar um incerto descontrole da inflação?
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