O GLOBO - 26/07
A ilusão da autonomia do Banco Central, em ambiente eleitoral, durou apenas algumas horas. Ontem, a autoridade monetária voltou a se curvar às pressões quando ampliou o espaço para concessão de crédito, atendendo às propostas feitas pelas autoridades políticas e pelo Ministério da Fazenda. Isso é contraditório com o que havia dito com clareza na Ata do Copom.
A decisão anunciada ontem foi de ampliação do dinheiro em circulação através da liberação de metade dos recursos que as instituições financeiras têm que recolher ao Banco Central sobre os depósitos a prazo. Na quinta-feira pela manhã, o BC garantiu, em ata, que sua estratégia "não contempla redução dos instrumentos de política monetária". Como se sabe, instrumentos de política monetária são desde taxas de juros até o volume de compulsórios.
Ontem, o BC anunciou a liberação, alegando que houve moderação do crédito, recuo do risco e diminuição da inadimplência. No dia anterior, havia dito que a inflação permanece forte e resistente, e as projeções estão mostrando que as taxas continuarão elevadas. E mais, como todos sabem, há inúmeros preços reprimidos e outros cuja expectativa é que subam fortemente, como da conta de luz. Diante de uma inflação alta, resistente, com preços represados e expectativas de novas pressões, o que deve fazer um Banco Central que já vê o estouro da meta? Há várias medidas a serem tomadas e nenhuma delas é estimular o crédito.
A explicação para a flagrante contradição entre o que disse e o que fez o BC talvez esteja nas convicções monetárias do ex-presidente Lula. "Se a inflação não é de demanda, por que estamos barrando o crédito? Não temos que ter medo. Acho que temos que ficar mais afoitos. Só seguir a rotina técnica não dá certo. O crédito melhora a vida de todo mundo. Podemos chegar a 80% do Produto Interno Bruto para o crédito, 90%, não tem problema nenhum", disse ele há exato um mês.
Na verdade, o crédito não está sendo barrado. Apenas está havendo desaceleração do ritmo de ampliação dos empréstimos, como mostram os números, sob diversos ângulos. Nos últimos 12 meses, o saldo total de crédito na economia subiu 12,7% e alcançou R$ 2,8 trilhões. As concessões, que medem o fluxo de dinheiro novo sendo emprestado, cresceram 9,6%. Mais R$ 315 bi foram concedidos a pessoas físicas e jurídicas no país, entre junho de 2013 e maio de 2014. Se o recorte for feito pelo crédito livre a pessoas físicas, o aumento das concessões é de 13,7%. A torneira continua aberta.
A inadimplência está num nível menor do que há dois anos, mas parou de cair. De janeiro a maio, oscilou de 6,6% para 6,7% no crédito livre para pessoas físicas. O indicador antecedente da inadimplência, que mede atrasos entre 15 e 90 dias, foi de 6,4% para 6,6%. Há ainda um volume grande de dívida estacionado nas mais caras modalidades: o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial. Houve diminuição da procura por financiamento de automóveis, mas depois de um crescimento forte nos últimos anos. É natural que após um período assim haja moderação.
Essa administração do Banco Central ficará marcada por ter cedido à pressão do governo e por tolerar uma inflação mais perto do teto da meta, do que do seu centro, para, assim, supostamente, garantir mais crescimento. Não garantiu o crescimento e continua dando sinais ambíguos no combate à alta dos preços.
A Ata do Copom, divulgada na quinta-feira, foi mais clara que o usual. Está lá a mesma linguagem empolada, mas com reiterações e palavras-chaves que indicavam que não reduziria os juros. No dia seguinte, houve o desmonte de parte do arsenal monetário que, na prática, reduz os juros, apesar da inflação alta. É exatamente essa volatilidade de sinais que ajuda a confirmar as dúvidas sobre o espaço de atuação do Banco Central.
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