O ESTADÃO - 16/07
Na famosa peça de Pirandello, os habitantes de uma pacata cidade no interior da Itália têm a sua atenção despertada por três sobreviventes de um terremoto. O problema é que o parentesco que une os três não fica muito claro aos olhos e ouvidos das pessoas. As versões expostas causam enorme alvoroço entre os moradores. Todos desejam saber qual é a verdade, mas como descobri-la, se as coisas se apresentam não como são, mas como parecem ser? Ao final, a busca da verdade se torna invasiva e cruel.
Situação similar é a que vivemos no Brasil nestes tempos de Copa, eleições, manifestações e vaias. Na narrativa do governo, a realidade é escamoteada pelo ufanismo exagerado e pelo jogo repetitivo (e cansativo) de "eles contra nós". Na narrativa da oposição, a verdade vem sendo buscada com pouco empenho e um jeito blasé. Três personagens sabem, no entanto, que o pano de fundo é uma realidade áspera que temem revelar.
Todos sabem (ou deveriam saber) que no Brasil os níveis médios de produtividade são muito baixos; a proporção dos investimentos em relação ao PIB não sustenta um crescimento anual continuado de mais de 4%; a exacerbação do consumo e do crédito não segura o crescimento por muito tempo; e a prescrição de "um pouquinho" de inflação, em vez de estimular a economia, a torna adicta de algo que desagrega a produção e concentra renda. Logicamente, sabem ainda que os níveis de educação e qualificação dos recursos humanos são precários; que o uso predatório de recursos naturais gera mais pobreza; e que as infraestruturas, em geral, são insuficientes (ou deficientes) para dar suporte à carência de serviços, à produção e às exportações.
Não surpreende, pois, que há algum tempo paire no ar um sentimento difuso de frustração e mal-estar. A narrativa de que o crescimento resolve todos os problemas a seu tempo há muito deixou de convencer. O crescimento do PIB é, sem dúvida, condição necessária, mas não suficiente, pois sem estabilidade da moeda, sem aumento da produtividade e sem competitividade neste mundo cada vez mais integrado não se atingem patamares mais elevados de bem-estar e igualdade. A busca de reformas mais ousadas e modernas é sempre postergada e o debate das grandes questões que poderão definir o futuro do País está ausente no Congresso Nacional e no Judiciário. O Executivo, movido por marqueteiros, trata de questões que alcançam um horizonte de quatro ou, no máximo, oito anos.
Tome-se o exemplo das infraestruturas, considerando as de logística, transporte, energia, comunicações e saneamento. O debate se restringe à visão da mera execução de "obras" e se fecha no ciclo da construção em si mesma. Não se pensa em conjuntos de projetos que gerem sinergias para reforço de cadeias produtivas e consolidação de especializações regionais e, muito menos, na funcionalidade do projeto, considerada uma visão sistêmica.
Esse quadro é agravado, ainda, pela abordagem da "obra" como uma realização de concreto e aço, uma conquista da engenharia civil, sem levar em conta que, na realidade, contam tanto ou mais os softwares, as inovações, a incorporação de tecnologias de ponta e os sistemas de gestão, monitoração e manutenção, que dão maior alcance e repercussão à sinergia de grupos de projetos. Em suma, concepção, execução e governança dos projetos de infraestrutura, no Brasil, já estão ultrapassadas há muito tempo. Surpreende como não se incorporam ao debate político esse obsoletismo e a falta de funcionalidade das infraestruturas.
Construir ou promover grandes reformas simultaneamente em 12 estádios pode ser visto como uma narrativa de sucesso da nossa engenharia, apesar de acidentes evitáveis. Assim é, se lhe parece... Mas a dura realidade é que teremos muitos "elefantes brancos", fechados em si mesmos, sem funcionalidade e sujeitos à deterioração por falta de manutenção. Sem falar no malfadado "legado da Copa": obras desconectadas e inacabadas, que se imaginava poderem melhorar a mobilidade, a segurança e a comunicação.
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